O Estado de São Paulo, n.46254, 07/06/2020. Metrópole, p.A15

 

A questão não é se fomos expostos ao vírus, e sim o quanto

07/06/2020

 

 

Quantidade pequena de partículas não faz adoecer – o sistema imunológico as eliminaria antes que causassem um estrago
THE NEW YORK TIMES

Ataque. O SARS-CoV-2 agride violentamente a célula

Quando os especialistas recomendam uso de máscaras, distância de pelo menos 1,8 metro entre as pessoas, lavar as mãos e evitar espaços fechados, o que estão dizendo na verdade é: tente minimizar a intensidade da sua exposição ao vírus. Uma quantidade pequena de partículas virais não fará você adoecer – o sistema imunológico as eliminaria antes que causassem algum estrago. Mas qual é a intensidade da exposição ao vírus necessária para a infecção? Qual seria sua menor dose efetiva?

É impossível responder com precisão, pois é difícil capturar o momento do contágio. “A verdade é que simplesmente não sabemos”, disse Angela Rasmussen, virologista da Universidade Columbia, em Nova York. “Nossa melhor resposta seria, no máximo, um bom palpite.” Os vírus respiratórios comuns, como influenza e outros tipos de coronavírus, devem servir de indicação. Mas pesquisadores encontram inconsistências. No caso da síndrome respiratória aguda grave (Sars), também causada por um coronavírus, estima-se que a menor dose efetiva seja de algumas centenas de partículas. No caso da síndrome respiratória do Oriente Médio (Mers), a menor dose efetiva é maior, na casa das milhares de partículas.

O novo coronavírus, SARSCoV-2, é mais semelhante ao vírus causador da Sars e, portanto, a dose contagiosa pode ser de algumas centenas de partículas, disse Angela. Mas o vírus tem mostrado um hábito de frustrar as previsões.

Em geral, as pessoas infectadas com um grande volume de patógenos – seja influenza, HIV ou Sars – tendem a apresentar sintomas mais graves e maior probabilidade de transmitir aos demais. Mas, no caso do novo coronavírus, pessoas que não apresentam sintomas parecem apresentar alta carga viral – ou seja, é grande a presença do vírus em seus corpos – comparável à de pacientes graves, de acordo com alguns estudos. Algumas pessoas são transmissoras generosas do coronavírus; outras parecem mais seletivas. Os chamados superdisseminadores parecem ter um dom para contagiar os demais, mas ainda não está claro se isso é consequência do seu comportamento ou de algum fator biológico.

Para quem se expõe, o formato das narinas e a quantidade de muco e pelos nasais parece fazer diferença, bem como a distribuição de determinados receptores celulares nas vias aéreas aos quais o vírus precisa se prender. Mas é claro que doses maiores são piores, e talvez isso explique por que funcionários de saúde mais jovens sucumbiram, mesmo considerando que o vírus costuma afetar os mais velhos. A dose crucial também pode variar dependendo do contato por ingestão ou inalação.

As pessoas podem contrair o vírus ao tocar em uma superfície contaminada e, em seguida, colocar as mãos no nariz ou na boca. Mas “acreditamos que não seja essa a principal forma de transmissão”, de acordo com os Centros para a Prevenção e Controle de Doenças.

Quando uma pessoa doente tosse, espirra, canta e fala, ou mesmo quando tem a respiração ofegante, ela expulsa do sistema respiratório milhares de partículas maiores e menores, todas carregando o vírus. As partículas maiores são pesadas e logo flutuam até o chão – a não ser que sejam transportadas pelo vento ou pelo ar-condicionado – além de não penetrarem nas máscaras cirúrgicas. Mas os chamados aerossóis, gotículas com diâmetro inferior a 5 microns, podem permanecer no ar por horas. “Eles viajam mais, duram mais tempo e são potencialmente mais infecciosos do que as gotículas maiores”, disse o Dr. Dan Barouch, imunologista viral do Centro Médico Beth Israel Deaconess, em Boston.

Três fatores parecem ser particularmente importantes para a transmissão via aerossol: proximidade com a pessoa infectada, fluxo de ar e sequência dos acontecimentos. Um banheiro público sem janelas com alto número de usuários é mais arriscado do que um banheiro com janela, ou um banheiro usado raramente. Uma breve conversa fora de casa com um vizinho de máscara é muito menos arriscada do que essas situações.

Mas, por terem diâmetro inferior a 5 microns, esses aerossóis também conteriam muito menos partículas virais (talvez um milhão de vezes menos) do que gotículas com diâmetro de 500 microns. Além de evitar espaços fechados e lotados, a medida mais eficaz que se pode adotar é o uso de máscaras, segundo todos os especialistas. Ainda que as máscaras não ofereçam proteção completa contra as gotículas carregadas com o vírus, elas podem reduzir a carga recebida e, possivelmente, mantêla abaixo da dose contagiosa./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Defesas

“Diante desse vírus, parece que lavar as mãos não será o bastante. Temos de limitar as aglomerações, temos de usar máscaras.”

Joshua Rabinowitz

BIÓLOGO QUANTITATIVO DA UNIVERSIDADE PRINCETON