Valor econômico, v.21, n.5042, 14/07/2020. Brasil, p. A8

 

País não aceita desmate ilegal e erros e excessos serão corrigidos, diz Guedes

Estevão Taiar 

Edna Simão

14/07/2020

 

 

Em meio a duras críticas à política ambiental do governo do presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ontem que o Brasil reconhece a importância da Amazônia e da preservação do meio ambiente. Ele também manifestou a disposição de corrigir eventuais equívocos.

“Se há excessos e se há erros, corrigiremos”, afirmou Guedes, depois de dizer que a indústria agropecuária brasileira “alimenta o mundo” ao mesmo tempo em que preserva o meio ambiente. “Não aceitaremos o desmatamento ilegal, a exploração ilegal de recursos - tudo isso que acontece porque o Brasil é um país continental. A Amazônia é maior do que a Europa, é difícil vigiar tudo.” Ele criticou, no entanto, o que chamou de “falsas narrativas” a respeito da política ambiental do país.

As declarações foram feitas durante a Cúpula Ministerial Virtual da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre Inclusão Social para a América Latina e o Caribe. O Brasil trabalha para ser membro da entidade, como o próprio ministro fez questão de destacar.

“Ninguém preservou tanto sua matriz energética ou própria riqueza em recursos naturais quanto o Brasil”, disse no evento que contou com a presença do secretário-geral da OCDE, José Angel Gurría, e autoridades da América Latina. “Mas sabemos que precisamos reduzir os efeitos [da economia] sobre o meio ambiente.”

O Valor publicou no começo da semana passada que 38 CEOs e quatro grandes entidades do agronegócio, indústria, serviços e setor financeiro enviaram conjuntamente um manifesto ao vice-presidente da República e presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, Hamilton Mourão. No documento, o grupo pedia maior combate ao desmatamento, inclusão econômica das comunidades locais na preservação das florestas e investimentos para a economia de baixo carbono.

Na quinta-feira, foi a vez de um grupo de 34 gestores de fundos internacionais, que juntos administram US$ 4,6 trilhões em ativos, cobrarem de Mourão e de seis ministros em teleconferência a redução do desmatamento no Brasil. A teleconferência foi realizada a pedido dos próprios fundos.

No evento virtual promovido pela OCDE, Guedes afirmou mais de uma vez que o Brasil “sabe respeitar” os seus recursos naturais e os povos indígenas. “Queremos apoio e compreensão para fazer isso.” Sem citar nomes, no entanto, o ministro afirmou que “muita gente se esconde atrás de políticas protecionistas” enquanto condena a política ambiental brasileira.

“Queremos ajuda [para preservar o meio ambiente], mas não aceitamos falsas narrativas sobre o que aconteceu no Brasil nas últimas décadas”, disse ele, garantindo que os militares brasileiros, incluindo Bolsonaro e Mourão, “têm profundo compromisso com a Amazônia”.

A própria entrada para a OCDE, na avaliação do ministro, terá impactos positivos sobre a política ambiental, já que obrigará o país a se adequar a melhores padrões de governança. Em relação à pandemia, Guedes afirmou que é “impossível” saber o quanto ela vai durar no Brasil, “um país muito grande e com decisões [sobre confinamento] são descentralizadas”.

“Em Estados com confinamento social limitado, a pandemia avançou rapidamente. Agora são os Estados em que a pandemia também está caindo rapidamente”, disse ele. Já os Estados “mais cuidadosos” estão se aproximando do platô do número de infectados, com uma diminuição mais lenta da doença. Segundo Guedes, já há regiões do país próximas da chamada imunidade de rebanho.

Para o secretário-geral da OCDE, José Ángel Gurría, as populações indígenas estão entre as mais vulneráveis da América Latina e do Caribe aos efeitos da pandemia. Na live, Gurría também citou projeções da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), comissão regional da Organização das Nações Unidas (ONU).

As estimativas apontam para recuo de 5,3% do Produto Interno Bruto (PIB) na região, com aumento de 3,4 pontos percentuais da taxa de desemprego. Nesse cenário, 28 milhões de pessoas cairiam abaixo da linha de pobreza e outras 16 milhões entrariam na pobreza extrema. “A região perderia duas décadas de progresso social”, afirmou ele.

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Desmatamento ultrapassou limite, segundo Mourão

Renan Truffi 

14/07/2020

 

 

O vice-presidente Hamilton Mourão voltou ontem a fazer um mea culpa sobre a postura do governo diante da ascensão do desmatamento na Amazônia. Em uma live transmitida por uma corretora de investimentos, Mourão afirmou que o governo “errou” ao atrasar o combate às atividades de desmate e queimadas na região da floresta.

“De 2012 para cá entramos numa ascensão do desmatamento e, consequentemente, das queimadas que se sucedem. Até que no ano passado tivemos uma alta bem grande, o que chamou a atenção do mundo a esse respeito. O que nós erramos? Em primeiro lugar, a gente não nega que houve desmatamento além daquilo que pode ser considerado aceitável, ou seja, acima dos 20% permitido para cada propriedade rural, mas fora das unidades de conversação e de terras indígenas. A primeira coisa é aceitar que ultrapassou o limite”, disse ele.

Como consequência, o vice-presidente adiantou que os dados de desmatamento neste ano não serão melhores do que em 2019. “Devíamos ter começado [o combate] em dezembro do ano passado ou em janeiro. Fomos começar agora em maio, o conselho foi criado só em fevereiro. Também vamos lembrar que todos os recursos do governo estão indo para a pandemia”, argumentou. Apesar disso, Mourão disse que o governo já está atuando com mais afinco para evitar um aumento no número de queimadas, como ocorreu no início deste ano.

Segundo ele, os dados do segundo semestre vão mostrar o esforço da gestão Jair Bolsonaro. A explicação do vice-presidente para a letargia foi o sucateamento nas agências ambientais. “Isso foi ocorrendo porque, ao longo do tempo, nossas agências ambientais foram perdendo a capacidade operacional. Nós recebemos, no nosso governo, tanto o Ibama como o ICMbio com 50% do seu efetivo. E o efetivo que sobra não está destinado totalmente a Amazônia, pelo contrário, esse pessoal está espalhado pelo Brasil. O efetivo na Amazônia é muito reduzido”, disse Mourão.

Além disso, ele defendeu que o governo use as Forças Armadas para reforçar a fiscalização na Amazônia. “O governo tem que adotar medidas em termos de operação e controle, usando os mecanismos que tem, no caso o apoio das Forças Armadas, para dar mais corpo à fiscalização. E não adianta atuar só na repressão pura e simples, mas precisamos avançar nos outros temas, como a regularização fundiária e pagamento por serviços ambientais.”