Valor econômico, v.21, n.5042, 14/07/2020. Política, p. A12

 

Governo acelera lançamento do Renda Brasil

Andrea Jubé

14/07/2020

 

 

O governo apertou o passo para finalizar o Renda Brasil e lançá-lo daqui a um mês, no Palácio do Planalto. O presidente Jair Bolsonaro quer anunciar o programa antes do fim do pagamento do auxílio emergencial e antes mesmo que o Congresso aprove uma proposta semelhante com a digital dos parlamentares. A oposição não acredita, entretanto, que o novo programa atrairá para Bolsonaro o seu eleitor cativo, beneficiário do Bolsa Família, especialmente no Nordeste.

Diante da expectativa de aumento do desemprego como reflexo da pandemia e da perda de eleitorado nos segmentos mais escolarizados e ricos da sociedade, Bolsonaro empenha-se em alavancar sua popularidade junto às classes de baixa renda, dependentes de programas sociais, em especial no Nordeste. Além dos beneficiários do Bolsa Família, outro alvo é o trabalhador informal e os desempregados, que diante do fim do auxílio emergencial, deverão compor a base do futuro Renda Brasil.

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), disse ao Valor que o Renda Brasil deve ser lançado até 14 de agosto, próximo à retomada das sessões presenciais do Congresso. E, após o lançamento, imediatamente enviado ao Legislativo para análise dos parlamentares. “Com o Renda Brasil, Bolsonaro vai ter as condições de fato de disputar as eleições com chance de ser o primeiro colocado em 2022”, aposta Bezerra.

Um senador com acesso às articulações afirma que o governo acelerou os ajustes finais do Renda Brasil, pois teme ser surpreendido com um programa de renda mínima que tenha a digital do Congresso. Ele alerta, no entanto, que as primeiras linhas do programa que vieram a público geram resistência, porque os parlamentares deverão reagir à extinção de outros benefícios como o abono salarial, por exemplo.

O modelo esboçado pelo governo prevê a fusão ou extinção de programas assistenciais considerados menos eficientes, como abono salarial, seguro defeso e salário família, sem despesa adicional para preservar o teto de gastos.

O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB) pondera que a se confirmar o fim do seguro defeso, contudo, haverá reação dos pescadores, porque o benefício foi concebido com uma contrapartida ambiental: é pago quando a pesca se torna proibida no período de reprodução das espécies. Além disso, o seguro defeso corresponde a um salário mínimo. Dino questiona por que o pescador ficaria mais satisfeito com uma renda calculada entre R$ 250 e R$ 300, no caso do Renda Brasil, se é contemplado com R$ 1.045 no período do seguro defeso.

“O Renda Brasil não vai anular a identidade e a paternidade do Bolsa Família, que continuará vinculada fortemente ao ex-presidente Lula”, afirma Dino.

Ele acrescenta que o novo programa não será suficiente para reverter o desgaste que Bolsonaro terá diante da expansão do desemprego. Para Dino, o presidente tem uma postura de “inércia” no combate ao desemprego, questão que vai se sobrepor a qualquer outra nas próximas semanas.

O senador Humberto Costa (PT-PE) ressalva que faltam informações precisas sobre o novo Renda Brasil, mas observa que o modelo de fusão e extinção de outros benefícios, que já veio a público, sugere uma “repartição dos pobres com os pobres”. Ele acrescenta que o Congresso vai se opor à eventual extinção de programas como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou aposentadoria rural, discussão que considera encerrada na votação da reforma da Previdência.

Costa argumenta que no curto prazo, talvez as pessoas não se esqueçam do Bolsa Família, sobretudo no Nordeste. Mas no médio prazo, admite que o Renda Brasil pode se sobrepor ao legado petista. Ele ressalta, entretanto, que o povo sabe que a preocupação social não é da “índole do bolsonarismo”, e a oposição aposta nesse reconhecimento. Ele também adianta que o PT está preparando um programa de renda mínima para ser apresentado no fim do mês, sob a coordenação da ex-ministra Tereza Campello.

Mas Fernando Bezerra, que é pernambucano, está convicto de que o impacto do Renda Brasil será mais forte que o do Bolsa Família. Lembra que Bolsonaro foi o candidato que mais teve votos contra petistas no Nordeste, e venceu em cinco das nove capitais da região. Argumenta que o Bolsa Família começou com o Bolsa Escola do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e isso mostra que é possível uma progressão legítima desses programas. “As pessoas vão creditar essa iniciativa [de evolução dos programas] a Bolsonaro”, assegura.

O deputado General Girão (PSL), que é do Rio Grande do Norte, acrescenta que a ampliação do pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 por mais dois meses favorece a transição para o Renda Brasil, que será “muito mais completo”. Girão adverte que “não se trata de uma medida populista do governo Bolsonaro, com o intuito de ganhar votos”.

Segundo o aliado de Bolsonaro, o novo Renda Brasil comprova a necessidade de atualização do Bolsa Família, o que ele considera natural. Girão reconhece, entretanto, que o novo programa poderá ser uma marca do governo.

“Obviamente, todo governo quer, sim, deixar a sua marca e ser reconhecido pelas ações em prol de quem mais precisa de ajuda”, diz o deputado. “A população que recebe o auxílio sabe que ele foi dado pelo governo Bolsonaro e saberá discernir um programa do outro, já que, com a mudança para o Renda Brasil, haverá a incorporação de outros tipos de benefícios, terá um aumento da base de beneficiários e também mudança dos valores pagos por mês”, completou.