Título: Antidopings sob suspeita
Autor: Laboissière, Mariana; Araújo, Saulo
Fonte: Correio Braziliense, 17/01/2013, Cidades, p. 25

Especialistas denunciam que a preferência por exames capilares na maioria dos concursos de segurança pública facilita a aprovação de candidatos que usam substâncias proibidas em testes físicos

O uso indiscriminado de suplementos proibidos por candidatos a cargos públicos coloca em xeque a credibilidade de alguns certames. Especialistas apontam falhas na realização de exames antidoping para testar a aptidão de novos servidores, principalmente na área de segurança pública. Editais de concursos para a admissão de praças e oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, por exemplo, determinam aos concorrentes a coleta de fios de cabelo para atestar se eles consomem ou não substâncias ilícitas, como anfetaminas presentes no OxyElite Pro, no Jack 3D e no Lipo-6 Black. Mas estudiosos apontam o teste de urina como mais eficiente (leia ilustração).

Para o especialista em toxicologia forense da Universidade de São Paulo (USP) Otávio Américo Medeiros Brasil, o método de análise capilar é incapaz de detectar a presença de compostos irregulares às vésperas dos testes de resistência exigidos pelas bancas examinadoras. Ele ainda critica a suposta falta de embasamento científico nessas avaliações. “Antes de 2010, os candidatos faziam exames só de urina. Depois, introduziram um laboratório americano para fazer com o cabelo”, explica Brasil, também perito criminal aposentado da Polícia Federal.

Na prática, a avaliação com amostras de pelos só detectam a presença de substâncias proibidas após sete dias. Ou seja, se o candidato tomar complementos sem registro sanitário ou mesmo drogas no dia da prova de resistência e for submetido no dia seguinte ao antidoping, as chances de o resultado dar positivo são mínimas. “É esse o prazo para a substância passar do sangue para o folículo piloso, enquanto no caso da urina são necessárias apenas 6h para dar positivo”, disse.

Já a professora de toxicologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB) Andréia Amoras Magalhães acredita ser necessário criar uma legislação específica relativa a antidoping em concursos públicos. “Dá para fazer a detecção de substâncias como as anfetaminas presentes em suplementos, só não sei se os nossos laboratórios do Brasil têm tecnologia suficiente para tal. Se fosse para pensar em algo fidedigno, seria o exame de urina”, conclui.

No último concurso para oficiais do Corpo de Bombeiros, realizado em 2011, estava indicada no edital a obrigação dos candidatos realizarem exames a partir de amostras do material biológico de cabelo ou pelos. A coleta deveria ser realizada em laboratório especializado. Um dos trechos do documento faz referência ao tipo específico de análise, isto é, de “larga janela de detecção”. Esse tipo de inferência verifica a presença de substâncias ilícitas no organismo do candidato num período pregresso ao exame. No caso do último concurso da corporação, o resultado negativo deveria abranger o período mínimo de 60 dias.

O chefe da Comunicação Social dos bombeiros do DF, coronel Mauro Sérgio de Oliveira, informou ao Correio que todos os exames toxicológicos feitos em candidatos da corporação são de responsabilidade do Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (Cesp/UnB). “Só fazemos o edital, daí para a frente, é tudo terceirizado, até para dar mais transparência ao concurso”, alegou. Sobre o uso de suplementos alimentares por aspirantes para a melhoria do rendimento físico, o coronel afirmou não ser possível um candidato ser aprovado em função do consumo dessas substâncias. “Elas não vão fazer que um bombeiro seja melhor formado do que outro, isso porque todos são submetidos a vários testes. São meses, anos de curso de formação. Nesse sentido, a pessoa não poderá se valer disso para sempre”, defende. Procurado, o Cespe esclareceu, por meio de nota, ser comum a exigência de exames toxicológicos para os cargos de concursos na área de segurança pública realizados pela entidade. No entanto, sinalizou que a possibilidade de eliminação do candidato em razão do uso de suplementos alimentares depende das especificações de cada edital. Quanto aos métodos de coleta., a entidade explicou que a definição é feita em comum acordo com o corporação em questão.

Riscos

Ao anunciar suplementos alimentares proibidos pela Anvisa, contrabandistas vendem inúmeros benefícios. Aos aprovados em concursos públicos que não mantêm uma rotina de atividade física, a promessa é de que, em poucos dias, os produtos aumentem consideravelmente a força, a velocidade e a resistência. No entanto, há relatos de pessoas que ingeriram os compostos, passaram mal durante os testes e acabaram eliminados dos certames.

Especialista em treinar candidatos, o preparador físico Ricardo Fabrício Freitas alerta para os efeitos colaterais que podem comprometer o desempenho dos aspirantes aos cargos públicos. Ele lembra o caso de uma aluna que ignorou as orientações dele de interromper o uso de OxyElite Pro e Jack 3D. Ela foi reprovada na prova para soldado do Corpo de Bombeiros, realizada no ano passado. “Ela teve a diurese aumentada e um desconforto intestinal justamente na hora da corrida. Não conseguiu concluir”, contou.

Nos treinamentos superviosionados, Ricardo se deparou com alunos passando mal. “É comum ver gente com palpitação, dor no peito, hipoglicemia e taquicardia. Quando decidimos investigar as causas, descobrimos que estavam sob o efeito dessas substâncias proibidas. Em casos mais extremos, a pessoa pode ter uma morte súbita durante os treinos”, alertou o treinador.

O Correio conversou com um candidato admitido no último concurso para oficial da PM do DF. Ele confirmou que o teste antidoping foi feito por meio da coleta de fios de cabelo. “O edital previa que o próprio candidato fosse a um laboratório. Lá, eles colheram um fio do meu cabelo, mas não fizeram a análise. Mandaram para o EUA e, depois de um mês, o resultado saiu”, destacou. O capitão do quadro de saúde da corporação, Rodrigo Ramos, admitiu que a finalidade do exame não é antidoping. A intenção é saber se o concorrente faz uso contínuo de drogas.