Valor econômico, v.21, n.5043, 15/07/2020. Política, p. A8

 

Em 'missão', Pazuello tem apoio do Planalto para seguir na ativa

Fabio Murakawa

Fernando Exman 

15/07/2020

 

 

O ministro interino da Saúde e general Eduardo Pazuello deve permanecer no governo em caráter provisório e sem deixar os quadros do Exército, embora haja pressões para que escolha entre passar à reserva ou deixar o posto.

Apesar da grande exposição e das críticas a que vem sendo submetido por comandar a pasta em meio à pandemia, Pazuello conta com o apoio de militares no Palácio do Planalto e auxiliares próximos do presidente Jair Bolsonaro para prosseguir no posto sem abrir mão de sua carreira.

Na visão de fontes ouvidas pelo Valor, a situação de Pazuello é diferente da do ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. Responsável pela articulação política do governo, Ramos anunciou no fim de junho que anteciparia sua ida à reserva remunerada. À época, já havia nos bastidores manifestações de incômodo da caserna com a situação do ministro, um dos artífices da aproximação do Centrão com o governo Bolsonaro.

“Ramos está em uma função em que é difícil imaginar um militar. Articulação política não é o nosso forte, exige determinadas qualidades que não são muito comuns para nós”, diz um militar graduado, referindo-se ao varejo da política e da negociação com o Congresso.

Para essa fonte, Ramos consegue desempenhar o papel por certas características pessoais: é simpático, expansivo e tem experiência como assessor parlamentar.

A situação de Pazuello, no entanto, é distinta. Na visão de militares, o general recebeu do presidente a missão de comandar o Ministério da Saúde durante a pandemia. A avaliação é que, com sua experiência em logística, ele conseguiu gerenciar essa questão a ponto de quase não haver relatos de falta de material hospitalar ou equipamentos de proteção nos hospitais brasileiros.

Militares dentro e fora do governo Bolsonaro reconhecem que não é o ideal ter um general da ativa no posto de ministro da Saúde. Porém comparam o combate ao coronavírus a uma guerra e acreditam que, nesse contexto, não é descabido o comando de um militar.

Também atribuem as pressões ao desconhecimento da lei brasileira, que estipula que o militar que exerce uma função civil sai da Força e fica como agregado. Após dois anos nessa condição, passa à reserva “ex officio”, ou seja, automaticamente.

Além disso, ressaltam o caráter interino com que comanda o ministério. “A missão dele é comandar o ministério na pandemia. Ninguém vai telefonar para o Pazuello para dizer que o filho está com febre. Ele vai passar o telefone para alguém”, diz uma fonte.

As pressões pela saída de Pazuello aumentaram após o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), criticar a presença de militares em postos chave do Ministério da Saúde. Ele afirmou que o Exército está se associando a um “genocídio”, ao se referir à estratégia de “tirar o protagonismo do governo federal” para “atribuir responsabilidade a Estados e municípios”.

A fala gerou uma forte reação de militares no governo e dos comandantes militares. Em uma nota conjunta, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, e os chefes das Três Forças repudiaram a declaração. Azevedo chegou a dizer que entraria com uma representação contra Gilmar Mendes junto à Procuradoria-Geral da República (PGR), por conta da declaração.

Ontem, o vice-presidente Hamilton Mourão foi questionado por repórteres no Planalto sobre se Mendes deveria se desculpar.

“É do foro íntimo dele. Se ele tiver grandeza moral, ele fará isso, corrige o que falou”, respondeu.

A declaração é mais enfática do que as dadas anteriormente por Mourão, que é general da reserva, sobre o tema.

Os jornalistas questionaram, então, se o fato de Pazuello ser um oficial da ativa é razão de desgaste para as Forças Armadas.

“O ministro Pazuello assumiu o Ministério da Saúde numa situação complicada, ele está sob uma pressão. E obviamente existe toda essa questão preconceituosa em torno do cara é general, o cara é não sei o quê. Situação difícil para qualquer um”, respondeu Mourão. “Qualquer um que assumisse o Ministério da Saúde no momento que ele assumiu teria os mesmos problemas.”

Ele ponderou, no entanto, que o general não dever permanecer por muito tempo no cargo.

“Olha, o Pazuello ainda tem mais uns dois anos na ativa. Acredito que o presidente não vá mantê-lo mais por muito tempo como ministro. Acredito. Não sei se essa é a decisão dele”, afirmou.

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Gilmar reforça críticas e avalia 'militarização' da Saúde

Isadora Peron

15/07/2020

 

 

 Após um dia em silêncio, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), reiterou ontem as críticas à permanência de militares da ativa no comando do Ministério da Saúde. Desde maio, a pasta é comandada interinamente pelo general Eduardo Pazuello. Segundo o ministro do STF, a sua posição é em defesa da “institucionalidade das Forças Armadas”.

Mesmo diante da reação do governo e da tentativa do presidente do Supremo, Dias Toffoli, de colocar panos quentes na situação, Gilmar voltou a afirmar que o Exército pode estar se associando a um “genocídio” devido ao avanço do novo coronavírus.

Ontem, durante uma nova live, o ministro do STF comentou a fala de sábado, que causou a forte reação da cúpula militar. O Ministério da Defesa chegou a apresentar uma representação contra Gilmar na Procuradoria-Geral da República (PGR).

Segundo Gilmar, as falas que irritaram a cúpula das Forças Armadas aconteceram em “um contexto puramente acadêmico, em que se discutia a questão da saúde”, com nomes como o médico Drauzio Varella e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.

“Todos eles apontaram problemas na gestão administrativa da saúde. Mandetta inclusive usou uma expressão dizendo que, se o general que lá está e que é especializado em logística, talvez fosse mais especializado em balística, tendo em vista número de mortes que ele conseguiu”, disse durante live promovida pelo site “Jota” e o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Gilmar também avaliou a recente militarização do Ministério da Saúde como uma tentativa de “neutralizar” o presidente Jair Bolsonaro e transferir a culpa pelo alto número de mortes pela covid-19 para o Supremo e os governadores, depois de a Corte decidir que Estados e municípios também poderiam adotar medidas para enfrentar a pandemia.

“O STF não disse que os Estados são responsáveis pela saúde, disse apenas que é uma competência compartilhada, como está no texto constitucional. Mas o presidente esquece essa parte”, afirmou.

Para o ministro, se essa for a intenção do presidente, “isso é um problema e acaba sendo um ônus para as Forças Armadas, para o Exército, porque eles estão lá inclusive na condução de oficiais da ativa”.

Gilmar também usou novamente a expressão “genocídio” e disse que este tema está sendo levantado internacionalmente, diante da preocupação com o avanço da doença entre as comunidades indígenas. “Como vocês sabem, estou na Europa. Participamos recentemente de um webinar com [o fotógrafo] Sebastião Salgado e a temática foi toda de ameaça aos povos indígenas. Salgado liderou um grupo apontando que o Brasil pode estar cometendo genocídio. Então é esse debate. A responsabilidade que possa ocorrer”, afirmou.

Segundo o ministro, a sua posição é em defesa das Forças Armadas. “Na verdade, o meu discurso é de defesa da institucionalidade das Forças Armadas, do seu papel, que eles acabem não se envolvendo [em brigas políticas]. Não se deixem usar nesse contexto”, disse.

Mais cedo, Gilmar já havia divulgado uma nota oficial dizendo ter “respeito” pelas Forças Armadas, embora reafirmasse as críticas que havia feito.