Correio braziliense, n. 20879 , 23/07/2020. Política, p.4

 

Na pauta, o fim das deduções do IR

Marina Barbosa

Luiz Calcagno

Alessandra Azevedo

23/07/2020

 

 

REFORMA TRIBUTÁRIA » Após projeto de simplificação de tributos federais sobre o consumo, governo trabalha proposta para diminuir ou extinguir isenções no Imposto de Renda da Pessoa Física, o que atingirá a classe média. A contrapartida seria a correção na tabela do Leão, defasada há cinco anos

Após apresentar um projeto de lei de reforma tributária de fácil aprovação, apenas com a pretensão de simplificar tributos federais sobre o consumo, o governo federal prepara-se, agora, para mexer em um vespeiro. Resolvido o impasse sobre bens e serviços, os próximos passos incluem a revisão da tributação sobre os rendimentos de pessoas e empresas e mudanças no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A equipe econômica pretende enviar os projetos ao Congresso em 30 dias.

Uma das propostas prevê diminuição ou até o fim das deduções no Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). A revisão prejudica a classe média, que costuma receber de volta parte dos gastos com saúde e educação declarados ao Leão. Para compensar, o governo pretende corrigir a tabela do IRPF, defasada há cinco anos, promessa do presidente Jair Bolsonaro.

A desatualização no piso do imposto, hoje de R$ 1,9 mil, prejudica, principalmente, os contribuintes mais pobres. Boa parte dos que hoje descontam 7,5% dos rendimentos, primeira faixa do IRPF, não precisaria pagar, se a tabela tivesse sido corrigida nos últimos anos. No fim de 2019, Bolsonaro disse que o governo pretendia aumentar a faixa de isenção para R$ 3 mil.

Também com o argumento de reduzir distorções, o governo quer taxar dividendos, parte do lucro da empresa distribuída aos sócios e acionistas de empresas. Desde 1996, esses valores não são tributados, o que estimula empresários a distribuírem o dinheiro, em vez de reinvestirem. Na prática, a isenção beneficia as camadas mais ricas da sociedade. A ideia é cobrar sobre os dividendos e, em troca, reduzir a alíquota do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ).

A transição seria feita de forma gradual, para não causar um “choque de arrecadação”. Mesmo com a contrapartida, tributaristas ouvidos pelo Correio acenaram positivamente para a correção no IR, mas fizeram ressalvas quanto à taxação de dividendos. “O assunto está em pauta há algum tempo e acho que essa discussão precisa ser considerada, desde que venha com ajuste na tributação da renda”, defendeu a advogada tributarista Vanessa Cardoso.

“É importante, realmente, garantir correção de distorções, mas sem aumento de impostos. Taxar dividendos sem rever a tributação sobre a renda, tanto de pessoas físicas quanto de pessoas jurídicas, pode aumentar a carga tributária”, explicou a advogada, sócia do escritório De Vivo, Castro, Cunha, Ricca e Whitaker Advogados. “Medidas isoladas, como limitar deduções, não corrigem distorções”, resumiu.

A isenção dos dividendos, segundo o presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), Gustavo Brigagão, “eliminou a distribuição disfarçada que existia”. Se a taxação for retomada, “o investidor fica sem mobilidade”, disse.

Advogada tributarista e ex-integrante do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), Mirian Lavocat concordou. “Sou contra a tributação de dividendos. A empresa, quando faz essa distribuição entre sócios, já foi tributada como pessoa jurídica. Seria uma bitributação”, criticou.

No radar

O governo também pretende reformular o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A ideia é transformá-lo em um Imposto Seletivo, que incidirá apenas sobre produtos como bebidas e cigarros. A proposta já é discutida pelos parlamentares há mais de um ano. Foi mencionada, inclusive, durante os debates sobre as propostas de emenda à Constituição (PEC) 45 e 110 — reformas sugeridas, respectivamente, por Câmara e Senado.

A desoneração dos produtos da cesta básica foi mantida no projeto enviado na terça-feira, mas o governo já avisou que esse ponto deve ser alterado em breve. A ideia é voltar a cobrar impostos sobre itens essenciais, como arroz e feijão. O dinheiro a mais gasto pelos mais pobres seria devolvido pelo programa Renda Brasil, que substituirá o Bolsa Família. O secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, disse que a proposta virá na próxima etapa da reforma.

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Guedes pede apoio à nova CPMF

Marina Barbosa

23/07/2020

 

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, pediu que os empresários apoiem a criação de uma nova CPMF. Ele alegou que o imposto vai compensar o aumento da carga tributária que será sentido por setores como o de serviços, na primeira etapa da reforma tributária. Guedes frisou que, por conta disso, vai propor a tributação das transações eletrônicas ao Congresso, ainda neste ano, para que o novo imposto entre em vigor com o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) que já está sendo discutido pelos parlamentares.

Durante reunião com o setor de serviços, ontem, Guedes disse que não desistiu nem adiou o plano de propor a criação da nova CPMF, apesar das críticas recebidas pela proposta. Ele explicou que o novo imposto vai compensar os prejuízos que o setor pode ter na primeira etapa da reforma tributária, enviada ao Congresso na terça-feira, propondo a unificação dos impostos federais que incidem sobre o consumo em uma Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS).

Hoje, o setor de serviços paga uma alíquota de cerca de 3,5%. Pela proposta do governo, ela subirá para 12%. Os empresários dizem que, diferentemente de outras áreas, a de serviços não conseguirá compensar esse aumento nos demais elos da cadeia produtiva, já que são intensivos em mão de obra. Por isso, dizem que vão precisar repassar esse aumento de custo para o consumidor final, elevando o preço de serviços como os dos bares e restaurantes, dos salões de beleza e das academias.

Empresários que apresentaram essa queixa à equipe econômica, ontem, contaram que, em uma reunião de quase três horas, Guedes reconheceu o prejuízo. “Ele pediu paciência, dizendo que a gente vai ser onerado agora para, no futuro, ter a redução da folha”, contou um dos participantes da reunião.

Guedes ainda defendeu que a desoneração da folha de pagamento seja compensada pela criação da nova CPMF. Por isso, pediu apoio dos empresários à proposta, que sofre resistência de peças-chaves do Congresso, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ele prometeu enviar o texto ao Legislativo ainda neste ano, para que o assunto comece a ser debatido pelos parlamentares.

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Responsabilidade para o Congresso

Alessandra Azevedo

Luiz Calcagno

 

 

Na proposta simplificada de reforma tributária enviada aos parlamentares, na última terça-feira, o governo deixou várias questões em aberto. Ao fixar uma alíquota de 12% para a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em substituição ao Programa de Integração Social (PIS) e à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), o Ministério da Economia colocou nas mãos do Congresso, por exemplo, a definição do destino dos tributos municipais e estaduais sobre o consumo.

Caso o objetivo seja realmente manter a carga tributária total por volta de 30% a 35%, como é hoje, sem aumentos, a alíquota fixada deixa uma margem pouco flexível para os ajustes de impostos de estados e municípios. Além de chegar a um consenso com todos os setores da economia, alguns insatisfeitos com a reforma, o Parlamento precisará definir se mantém ou não a taxa em 12%, o que exige amplo diálogo com estados e municípios.

“A proposta é boa, mas temos de calcular e analisar com mais profundidade (a alíquota de 12%), para garantir que não aumente a carga tributária”, ponderou o presidente do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda (Comsefaz), Rafael Fonteles, do Piauí. A reforma, na opinião dele, deve ser mais abrangente e incluir estados e municípios, como prevê a proposta de emenda à Constituição (PEC) 45, da Câmara.

A “colaboração” da equipe econômica, porém, não prejudica os entes, já que o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que não se oporá à ampliação, lembrou Fonteles. “A discussão já é feita desde o ano passado. O que se esperava era a colaboração do governo, que, agora, mostra que tem foco na reforma. No Congresso, certamente será construído um texto harmonizando tudo”, afirmou.

Para o presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), Rodrigo Spada, a alíquota de 12% “parece exagerada”. Hoje, a cobrança de PIS e Cofins, juntas, soma por volta de 9%, lembrou. “Sobra pouquíssimo espaço no debate para inserir estados e municípios”, considerou. Ao propor unificação só de impostos federais, na visão dele, a União “aumenta alíquotas federais, resolvendo seu problema fiscal, e não pensa no todo”, criticou.

Os governos estaduais defendem que seja mantido na reforma um dispositivo previsto na PEC 45, que prevê um período de calibragem das alíquotas novas. No projeto, há um prazo de um ou dois anos para avaliar o potencial arrecadatório, em que as taxas podem ser ajustadas. É uma espécie de seguro, para que não haja aumento de carga. Esse princípio deve ser preservado, destacou Fonteles.