O globo, n. 31728, 19/06/2020. País, p. 8

 

Na mira do STF, Weintraub troca mec por banco mundial

Washington Luiz

Amanda Almeida

Paula Ferreira

19/06/2020

 

 

 Recorte capturado

A situação ficou insustentável após ele reiterar críticas à Corte no último domingo; no novo cargo, ganhará mais que o triplo

Sem trânsito no Congresso S e na mira do Supremo Tri- bunal Federal (STF) após ter defendido a prisão de ministros da Corte e os chamado de “vagabundos”, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou sua saída do cargo ontem em um vídeo ao lado do presidente Jair Bolsonaro. A “saída honrosa” encontrada para Weintraub foi uma indicação para a direto- ria do Banco Mundial, em Washington, onde passará a ganhar mais que o triplo do que recebia como ministro.

A saída vinha sendo estudada há algumas semanas, mas a situação passou a ser tratada como insustentável após Weintraub ter confraternizado, no domingo, com manifestantes que na véspera tinham soltado fogos de artifício em direção ao STF.  O anúncio da saída foi feito em um vídeo publicado nas redes sociais de Weintraub. 

—Sim, dessa vez é verdade. Eu estou saindo do MEC. Vou começar a transição agora. Nos próximos dias passo o bastão ao ministro que vai ficar no meu lugar, interino ou definitivo. Neste momento, eu não quero discutir os motivos da minha saída. Não cabe. O importante é dizer que eu recebi o convite para ser o diretor de um banco. Eu já fui diretor de um banco no passado. Volto ao mesmo cargo, porém no Banco Mundial — disse Weintraub.  O ministro afirmou que foi uma honra participar do governo e que irá “continuar lu- tando pela liberdade”. No vídeo, gravado no Palácio do Planalto, Bolsonaro afirma que seus “compromissos de campanha continuam em pé”:

— E um momento difícil. Todos os meus compromissos de campanha continuam em pé. E busco implementar da melhor maneira possível. A confiança você não compra, você adquire. Todos que estão nos ouvindo (gora são maiores de idade e sabem o que o Brasil está passando. E o momento é de confiança. Jamais deixaremos de lutar pela liberdade.

SINAL DE PAZ AO SUPREMO

Apesar da deferência com a gravação do vídeo, a saída do ministro foi ignorada por Bolsonaro na transmissão semanal que faz nas suas redes sociais às quintas-feiras. O presidente deve deixar apenas por pouco tempo na interinidade o secretário-executivo da pasta, Antonio Vogel, até encontrar um novo nome. Segundo aliados de Bolsonaro, Vogel foi convidado para ser nomeado ministro interino, mas não aceitou e avisou que permanece apenas até que se 

encontre um substituto. Entre os cotados estão dois integrantes da equipe de Weintraub: a secretária de Educação Básica do MEC, no-na Becskehazy, e o atual secre-tário de Alfabetização, Carlos Nadalim. Também apareceu no radaro nome dopresidente da Capes, Benedito Aguiar. Nos bastidores, comenta-se que o momento de fragilidade do governo pode ser utilizado pelo centrão para tentar indi-car o novo ministro. A saídadeWeintraubéinter-pretada no Planalto como uma sinalização de paz de Bol-sonaro ao STF e aconteceu no mano dia de outro ato do Ju-diciário queinitou °presiden-te: a prisão de Fabrício Quei-roz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, seu filho. A divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, por ordem do ministro do STFCelsodeMello, ampli-ou o desgaste de Wei ntraub. Ovídeo foi parar no Supremo
por ser apontado pelo ex-mi-nistro Sergio Moro como uma prova da interferência política de Bolsonaro na Polí-cia Federal. As declarações do titular da Educação amplifi-caram a crise entre os Pode res. Weintraub defendeu a prisão de ministros do STF e os chamou de "vagabundos".

SALÁRIO DEVE TRIPLICAR

O ministro da Educação acabou incluído como investiga-do do chamado inquérito das fake news, que apura a divulgação de noticias falsas e ameaças conta ministros do STF. Um habeas corpus apresenta-do pelo ministro da Justiça, André Mendonça, pedindo a exclusão de Weintraub do inquérito foi rejeitado pela Corte, por nove votos a um. Weintraub manteve o tempo todo sua retórica nas redes sociais. O gesto considerado definitivo para a sua saída foi a visita a manifestantes no domingo. Ele confraternizou com os apoiadores do presidente que, na véspera, haviam feito um ataque ao STF. E, em resposta a um dos manifestantes que reclamava de corrupção, disse que já havia falado sobre os "vagabundos", lembrando a reunião.

O Ministério da Economia confirmou ontem a indicação de Weintraub para a vaga do Brasil no Banco Mundial, ressaltando o fato de ele ser economista. Ele terá de ser eleito para a função, mas nunca uma indicação do Brasil foi contestada. Seu salário pode maisque triplicar e lhe render R$ 1,38 milhão por ano. Co-mo ministro, Weintraub ganhava R$ 30,9 mil. Em valores convertidos para o real, passará a receber R$ 115 mil por mês.

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Oposição comemora saída de Weintraub do Ministério da Educação

19/06/2020

 

 

Rodrigo Maia diz esperar que sucessor seja ‘de fato comprometido’ com a pasta. Tábata Amaral diz não ter muitas expectativas

 Insatisfeitos com declarações, apoio a protestos antidemocráticos e ações de Abraham Weintraub à frente do Ministério da Educação, parlamentares de diferentes partidos comemoraram sua saída da pasta. É a 12ª troca no ministério de Bolsonaro, que avalia deixar o secretário-executivo como interino do MEC até encontrar novo nome.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que espera um novo ministro “de fato comprometido com a educação”. E reagiu com ironia quando jornalistas informaram que Weintraub iria agora para o Banco Mundial.

— É porque não sabem que ele trabalhou no Banco Votorantim, que quebrou em 2009, e era um dos economistas do banco.

O líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), disse em nota que a situação de Weintraub era “insustentável” após a divulgação do vídeo da reunião ministerial na qual chamou os ministros do Supremo Tribunal Federal de “vagabundos” e a participação em atos antidemocráticos. “O ex-ministro já vinha em um processo de desgaste crescente, particularmente por seus posicionamentos nas redes sociais muitas vezes incompatíveis com a importância do cargo que ocupava”, avaliou.

Líder do Cidadania no Senado, Eliziane Gama (MA) disse que “Abraham Weintraub era o ministro que jamais poderia ter sido ministro”. “Não tinha compostura nem capacidade técnica para ocupar tão importante pasta. Seu único legado é um recado ao governo: a sociedade está farta do radicalismo e de atentados à democracia. O Brasil merece respeito”, escreveu em uma rede social.

 Sem ‘ideologias nefastas’

Senador e ex-presidente da República, Fernando Collor (Pros-AL) escreveu que o “Brasil merece um ministro da Educação que tenha a experiência e o conhecimento necessários para conduzir políticas públicas à altura dos desafios que o País enfrenta na área, isentas de ideologias nefastas”.

Já o líder da minoria na Casa, Randolfe Rodrigues (AP), escreveu que Weintraub tem de ser responsabilizado por eventuais crimes.

Coordenador da Comissão Externa de Acompanhamento do MEC na Câmara, João Campos (PSB-PE) comemorou a demissão, mas ponderou que é importante estar atento ao seu sucessor. Já a deputada Tábata Amaral (PDT-SP) afirmou que a saída do ministro era uma “morte anunciada”:

— Os trabalhos da comissão externa da Câmara mostraram que 2019 foi um ano perdido na área e agora mostram a incapacidade do MEC de apontar um caminho durante a pandemia. Não consigo ter expectativas muito grandes com um governo que nunca gostou de educação, mas espero que venha alguém minimamente sério.

A deputada Professora Dorinha Seabra (DEM-TO), relatora do Fundeb na Câmara, disse que a saída de Weintraub do MEC é um alívio. O Fundeb é o principal fundo de financiamento da educação básica do país e só tem validade até este ano.

— Se o Fundeb tivesse contado com o envolvimento do MEC para construção de um texto, provavelmente já teríamos encontrado um cenário mais viável para votá-lo — disse a deputada.