O globo, n. 31728, 19/06/2020. País, p. 9

 

STF confirma que inquérito das fake news vai prosseguir

Carolina Brigido

Bela Megale

19/06/2020

 

 

Placar final foi de 10 a 1; apenas Marco Aurélio divergiu do plenário

 Por dez votos a um, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela legalidade do inquérito instaurado no ano passado para investigar a disseminação de notícias falsas e ataques a integrantes da Corte. O inquérito continuará aberto. Nos votos, os ministros lembraram que liberdade de ex-pressão é diferente de ameaças e ofensas.

—A incitação ao ódio público, a quebra da institucionalidade e a propagação de ofensas e ameaças ao regular funcionamento das instituições democráticas não estão protegidas pela cláusula constitucional que as-segura a liberdade de ex-pressão. Na realidade, a liberdade de expressão do pensamento não legitima o discurso de ódio e não protege ofensas ao patrimônio moral de quem quer que seja —afirmou Celso de Mello.
O presidente do Supremo, Dias Toffoli, deu um voto contundente para dizer que as notícias falsas e ameaças disseminadas contra ministros da Corte têm "cunho verdadeiramente terrorista". Segundo ele, "críticas são necessárias e bem-vindas". Ele ressaltou que o inquérito das fake news trata apenas de notícias fraudulentas e ataques.

—Não podemos banalizar os ataques às instituições democráticas. A banalização do ódio advindo das fake news é como se fosse um fungo, ela cresce e se espalha a partir de si mesma e tem como meta fabricar° caos. A instauração deste inquérito se impôs e se impõe não porque queremos, mas porque não podemos banalizar ataques e ame-aças ao STF—disse. A decisão foi tomada no julgamento de uma ação da Re-de Sustentabilidade que pede o arquivamento do chamado inquérito das fake news, por irregularidades na forma co-mo foi instaurado. O partido  questionou o fato de a Procuradoria-Geral da República (PGR) não ter sido consultada antes da abertura do inquérito. Outro ponto foi o presidente do tribunal ter escolhi-do Moraes para conduzir o caso, em vez de sortear um relator, como é a praxe.

DIVERGENCIA

O relator da ação, ministro Edson Fachin, votou na semana passada, em defesa da legalidade do inquérito. Anteontem,votaram no mesmo sentido Alexandre de Mora-es, que é relator do inquérito das fake news, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Ontem, se manifestaram Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Dias Toffoli. Apenas Marco Aurélio votou pelo arquivamento do inquérito, como pediu a Rede. Para ele, o inquérito não tem um objeto delimitado e pode servir para censurar meras críticas ao Supremo e seus integrantes.

—O STF, como um dos Poderes da República, não pode estar infenso às manifestações críticas de cidadãos pelas várias modalidades de liberdade de expressão —disse, completando:

— Estamos diante de um inquérito natimorto e, ante as achegas verificadas depois de instaurados, diria mesmo um inquérito do fim do mundo, sem limites. Ao votar, Moraes garantiu que não há nas apurações caso de simples xingamento aos ministros, ou críticas às decisões. Segundo ele, 72 trechos das investigações já foram encaminhados para a primeira instância do Judiciário, porque tratam de suspeitos sem direito ao foro privilegiado.

 SARA GIROMINI

Também nos votos, os ministros concordaram que o Ministério Público não tem exclusividade na abertura de inquéritos. Eles ressaltaram que o Regimento Inter-no do STF prevê possibilidade de instauração de investigação pelo presidente do tribunal para apurar agressões e ameaças à integridade da Corte e de seus integrantes. Nesses casos, o presidente do STF indica o relator. A 19 Vara Federal de Brasília acolheu o pedido feito pelo Ministério Público Federal (MPF) de arquivamento parcial da investigação contra a ativista de extrema direita Sara Giromini, autodenomina- da Sara Winter. O MPF havia apontado que a bolsonarista não cometeu crimes previstos na Lei da Segurança Nacional, contrariando representação feita pelo ministro do Alexandre de Moraes, do STF.

O MPF apresentou denúncia contra Sara sob acusação apenas dos crimes de injúria e ameaça. O juiz federal Rodrigo Parente Paiva Bentemuller declinou a competência para analisar essa denúncia sob o argumento de que se trata de crimes com penas baixas, por isso a competência seria do Juizado Especial Criminal. A denúncia será redistribuída para outro juiz.

_ Ao arquivar a suspeita de crimes contra a Lei da Segurança Nacional, Bentemuller afirmou que ela fez manifestações com “excessiva indignação” contra Moraes, mas que não seria possível caracterizar que ela tentou impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o funcionamento do Poder Judiciário.  Em nota, a defesa de Sara Giromini afirmou que “está analisando a denúncia e apresentará resposta a acusação aos supostos crimes de injúria e ameaça, tão logo ocorra a citação de Sara Winter”.