O Estado de São Paulo, n.46255, 08/06/2020. Metrópole, p.A8

 

País tem cenário de várias pandemias e pode conviver mias tempo com covid

José Maria Tomazela

08/06/2020

 

 

Com situação mais dramática no Norte, a doença avança de forma diferente pelas regiões e faz com que o Brasil tenha, ao mesmo tempo, números do Equador, o vizinho mais castigado com o vírus, e de Portugal, um dos países menos afetados pela doença na Europa

A falta de um protocolo unificado de ações contra a covid19 criou um cenário de várias pandemias no Brasil. As diferenças regionais podem fazer o País conviver mais tempo com o novo coronavírus, afirmam pesquisadores. Com as trocas de comando no Ministério da Saúde, que permanece com ministro interino, as medidas de controle ficaram a cargo de governadores, cada um com uma visão própria da doença. E não há um só Estado em que a covid-19 esteja em declínio.

Para o Ministério da Saúde, os cenários diferentes refletem a sazonalidade das doenças respiratórias. Isso faz com que o Brasil tenha, ao mesmo tempo, números de um Equador, o vizinho mais castigado com o vírus, e de Portugal, que registrou em um dia da semana passada apenas 12 mortes. No Amazonas, o número diário de casos novos já passa de 2 mil (veja nesta página). O quadro muda completamente no Paraná, onde os casos diários não passam de 300. Minas e MS também têm números oficiais mais bem controlados.

Para o professor Raul Borges Guimarães, especialista em geografia da saúde da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a falta de uma política coesa do governo federal com Estados e municípios fez com que a situação saísse do controle em algumas regiões. Isso explica, segundo ele, porque no Amazonas, um Estado mais isolado, o vírus se espalhou quase oito vezes mais do que na Bahia, com seu amplo litoral. O Paraná, com baixa disseminação, vive realidade diferente de São Paulo, que tem alta incidência e onde a doença se instalou primeiro, dando mais tempo de planejamento aos vizinhos.

Conforme Guimarães, a falta de um comando central fez com que as medidas de isolamento não fossem adotadas de forma homogênea. “Os Estados ficaram se movimentando numa espécie de areia movediça por meses, tomando as medidas possíveis diante de situação cada vez mais dramática”, afirma. “Estamos condenados a permanecer em um círculo vicioso que somente uma ação coordenada do governo federal permitiria estancar. Sabemos que isso não ocorrerá.”

A Região Norte, com 699,5 infectados e 35 mortes a cada 100 mil pessoas, tem disseminação superior à dos EUA, país com maior incidência no mundo. Está também acima da média brasileira, de 292,6 casos e 16,2 mortes por 100 mil. Além do Amazonas, os dados são puxados para cima por Pará e Amapá, com altas taxas de casos e óbitos, superiores às do Reino Unido, segundo país no ranking da doença.

Em contrapartida, nos três Estados do Sul, a incidência é baixa, tornando a média a menor do Brasil, com 91,3 casos e 2,1 mortes por 100 mil moradores. O índice se compara ao da Grécia. Florianópolis, em Santa Catarina, é a capital com menor número de óbitos .

Por região. Há disparidade na mesma região. No Nordeste, fronteiriços, os Estados do Ceará e Piauí têm pandemias diferentes. Enquanto o Ceará tem 613 casos e 39,5 mortes a cada 100 mil habitantes, no vizinho os índices são de 178,1 e 5,9. A discrepância é evidente no Sudeste, região que tem Estados como São Paulo e Rio, com alta incidência, enquanto Minas tem índices menos agressivos.

Guimarães lembra que é preciso levar em conta que o vírus não chegou a todos os países e às diversas regiões do Brasil ao mesmo tempo. “Como o isolamento social não foi cumprido de forma homogênea, cada região e até mesmo cada município tem uma curva diferente.” Isso sem considerar a subnotificação, para ele “altíssima”.

Coautor de um sistema de simulação matemática que permite traçar diferentes cenários de isolamento para as cidades paulistas e de outros Estados, o professor Paulo José da Silva, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica da Unicamp, observa que a flexibilização do isolamento só pode ser adotada em um cenário onde a taxa de contágio está controlada, o que não acontece “em nenhum lugar”. As ações de testagem em massa, fundamentais para a contenção da doença, também influenciam os números, segundo o coordenador de diagnósticos da forçatarefa Unicamp contra a Covid19, Alessandro Farias. “O teste é a base para qualquer ação a ser feita, incluindo reabertura.”

Ministério. O Ministério da Saúde informou em nota que as análises epidemiológicas apontam maior prevalência da covid-19 no Norte e Nordeste, além dos Estados de São Paulo e Rio. No Norte e Nordeste, a circulação do vírus acompanha o período de doenças respiratórias, iniciando nas capitais e regiões metropolitanas e seguindo para o interior dos Estados. “A mesma tendência devemos observar, seguindo a sazonalidade das doenças respiratórias, para Centro-Oeste e Sul, sendo necessária a divisão em três fases: preparação, enfrentamento de doenças em centros urbanos e capitais e a interiorização dos casos.”

Os protocolos têm sido divulgados em boletins – um com medidas adicionais ao distanciamento social está em construção. O ministério disse ainda que “a subnotificação é inerente à pasta”, mas está em curso um programa de ampliação de testagem. Em relação à circulação do coronavírus, a pasta lembrou que o Brasil possui característica viral tanto do Hemisfério Norte quanto do Sul. “Era esperado que a circulação do vírus não seria homogênea.”

Baixo isolamento

“Como o isolamento social sempre ficou abaixo do necessário, o vírus se estabeleceu em polos regionais e agora migra para cidades menores.”

Raul Borges Guimarães

ESPECIALISTA DA UNESP