Correio braziliense, n. 20882 , 26/07/2020. Economia, p.6

 

Emprego esporádico e o novo normal

Marina Barbosa

26/07/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Dados do Caged mostram que a ocupação intermitente voltou a crescer em meio à reabertura das atividades comerciais. Em restaurantes, que costumam pagar somente as horas efetivamente trabalhadas, instabilidade da relação mais flexível preocupa entidades trabalhistas

Criado na reforma trabalhista de 2017, o contrato de trabalho intermitente voltou ao radar dos empresários brasileiros em meio à flexibilização da quarentena. É que esse tipo de contrato permite que as empresas chamem os funcionários apenas quando há demanda e, por isso, paguem somente as horas efetivamente trabalhadas. É uma relação mais flexível de trabalho, que, para muitos executivos, parece se adequar a esse momento em que é preciso reabrir as portas, mas com muita cautela em relação à retomada econômica e à pandemia do novo coronavírus. E que, por isso, é o primeiro dado do mercado de trabalho brasileiro a apresentar alguma reação após a covid-19.

De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o Brasil perdeu 331,9 mil postos de trabalho formais em maio (último dado disponível) devido à crise econômica do novo coronavírus. E esse fechamento foi praticamente generalizado. Nos contratos intermitentes, contudo, 2,4 mil vagas foram criadas nesse período. Por isso, por mais que tenha seguido o choque da covid e fechado o mês anterior no vermelho, essa modalidade de trabalho acumula um saldo positivo de 16 mil vagas no ano. “É um número pequeno em relação ao estoque de emprego formal, mas mostra que o intermitente registrou uma situação um pouco melhor na pandemia”, observa o pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV), Daniel Duque. E muitos empresários dizem que esse número tende a crescer nos próximos meses, sobretudo, no setor de comércio e serviços, que trabalha sob demanda.

“O contrato intermitente permite que o estabelecimento ajuste a mão de obra aos horários de maior demanda. E deve ser uma opção agora, já que muita gente acabou sendo demitida durante a pandemia e a retomada precisa ser muito cautelosa, sem muitos custos”, diz o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci. “Há muita incerteza sobre a retomada, se o movimento vai voltar logo ou se virá de forma gradual. Além disso, temos uma limitação física de 50% dos espaços. Isso por si só inibe a realização de novos contratos integrais. E até os trabalhadores estão em uma situação delicada, porque muitos foram demitidos. Sendo assim, é melhor trabalhar dois ou três dias na semana a ficar parado. Então, parece que chegou o momento adequado para tratar disso”, reitera o presidente do Sindicato de Bares e Restaurantes do Distrito Federal (Sindhobar), Jael Silva.

Foi o que aconteceu no restaurante coordenado pela diretora comercial Juliana Britto. Ela conta que os contratos intermitentes foram a saída encontrada pelo estabelecimento para reabrir as portas esta semana. Isso porque, após quatro meses fechados, o estabelecimento demitiu metade dos seus funcionários e segue com o orçamento apertado para recontratar esse pessoal. Por isso, agora, decidiu chamar alguns garçons de forma intermitente para poder avaliar o movimento dos primeiros dias de reabertura. E eles logo aceitaram o chamado, já que estavam há um bom tempo sem trabalhar de maneira formal. “Começamos com os intermitentes 15 dias antes da pandemia. Na quarentena, nós fechamos e eles receberam o auxílio do governo. E, agora, estamos começando a chamá-los de volta. Não pretendemos abrir novas vagas de emprego nem tão cedo. Então, havendo necessidade, vamos chamar os intermitentes”, explica Juliana, que paga aos garçons o mesmo valor da hora de trabalho dos demais profissionais do restaurante. “Inclusive, as gorjetas”, conta.

Flexibilidade

Segundo a legislação instituída pela reforma trabalhista, o contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e não se pode pagar um salário/hora inferior ao valor que é pago pelo salário-mínimo ou ao valor que o estabelecimento paga para os outros profissionais que ocupam a mesma posição do intermitente. Porém, é um contrato flexível e sem carga horária fixa. A empresa chama o trabalhador quando tem necessidade. Só precisa fazer essa convocação com pelo menos três dias de antecedência. O funcionário tem um dia útil para responder e não sofre nenhuma punição se recusar a oferta. Ele pode até ter contrato com mais de uma empresa, já que não tem horário fixo com seus empregadores. Ao final do mês, portanto, empresa e empregado fazem um apurado das horas trabalhadas no período para definir qual será o salário. Sobre esse valor, contudo, também devem ser pagos os proporcionais dos benefícios trabalhistas, da Previdência e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

“O contrato intermitente ainda não é tão usado quanto se esperava na reforma trabalhista, porque o Brasil sempre sofreu muito com insegurança jurídica e esse tipo de contrato gerou algumas dúvidas. Então, era de se esperar que levasse um tempo para sua consolidação jurídica. Além disso, o mercado de trabalho vinha se recuperando de forma muito lenta, sem grandes contratações, entre 2017 e 2019. Mas, agora, é possível que apareça mais, já que nenhum empresário sabe como vai ser essa retomada da pandemia e todos estão sofrendo uma maior pressão de custos. Então, eles podem querer migrar para modelos mais flexíveis e poupadores de mão de obra como o contrato intermitente”, confirma o pesquisador Daniel Duque. “É algo que deve crescer. A tendência é que, com a reabertura, tenha um salto nas contratações”, avaliou Solmucci, para quem essa tendência não deve ser temporária no setor de bares e restaurantes. “Nos Estados Unidos, essa é uma modalidade muito comum, que funciona muito bem para o setor”, explica.