Valor econômico, v.21, n.5046, 20/07/2020. Brasil, p. A4

 

Governo aceita elevar a complementação do Fundeb, mas quer incluir transferência de renda

Fabio Graner

Matheus Schuch

Fabio Murakawa

20/07/2020

 

 

Na reta final das negociações, o governo flexibilizou sua posição e agora aceita elevar a complementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para 20%. Desde que uma parte do recurso extra seja direcionada para transferência direta de renda a famílias com crianças em idade escolar e pré-escolar. Isso, na leitura da equipe econômica, produziria resultados melhores.

Anteriormente, o time do ministro Paulo Guedes aceitava a elevação dos atuais 10% para 15% dos aportes de Estados e municípios até 2026. A relatora, deputada Dorinha Seabra (DEM-TO), e a bancada da educação insistem no 20%. Por isso, o governo propõe que a diferença de 5% vá para transferência de renda.

Com a flexibilização sinalizada, o governo conseguiria reforçar o seu programa social em gestação, o Renda Brasil, sem a restrição do teto de gastos, já que o Fundeb está fora desse limite. O governo diz querer colocar todas crianças em creche.

O Palácio do Planalto, que na manhã desta segunda-feira receberá líderes partidários para uma reunião com o ministro Luiz Ramos (Governo), admite negociar os termos da nova proposta apresentada, diante das resistências já manifestadas pela bancada da Educação e outros representantes do setor. A votação do texto está prevista para essa semana.

Estudo interno do Ministério da Economia ao qual o Valor teve acesso destaca que a literatura aponta que priorizar a educação na primeira infância é uma forma de ampliar a capacidade cognitiva da pessoa. “Como resultado, além dos aspectos relacionados à cidadania, tem-se maior retorno econômico quando as intervenções são feitas cedo. A razão está na dinâmica, já que habilidades iniciais tornam mais fácil o processo de aquisição de novas habilidades”, diz o texto. “Programas direcionados ao período da adolescência e da juventude são mais caros e menos eficientes em produzir o mesmo nível de habilidade atingida na fase adulta”, completa.

Nesse sentido, o material salienta que a reformulação do Fundeb é uma excelente oportunidade que se coloca parasse ampliar os investimentos na primeira infância. “A política constitui-se, ainda, em um eficiente mecanismo de transferência de renda, na medida em que as famílias mais pobres são justamente aquelas com crianças em idade escolar”, ressalta.

Segundo o documento, estudos apontam que o valor ideal de gasto por aluno no Brasil seria da ordem de R$ R$ 4,1 mil nos valores de 2015, ano de apresentação da PEC do Fundeb (R$ 4,65 mil ano, em valores atualizados a 2018). A partir desse montante, de acordo com o texto, não haveria ganhos substanciais de qualidade de ensino.

O Ministério da Economia diz que para se atingir esse nível ideal seria necessário ampliar a complementação da União em 37,5%, passando dos atuais 10% para 13,75%, combinando com aperfeiçoamentos na forma de distribuição. O valor do estudo é menor que os números efetivamente em discussão (15% e 20%¨). Se chegar a 20%, a complementação levaria a um gasto por aluno de R$ 4,56 mil em valores de 2015.

O governo quer também aperfeiçoar a distribuição do dinheiro. “Atualmente, a complementação da União é direcionada aos estados mais pobres. Desta forma, são direcionados recursos para municípios ricos de estados pobres, em detrimento de municípios pobres de estados ricos”, diz o texto. O material explica que a ideia é fazer “a transferência “ente a ente”, isto é, direcionando os recursos às redes de ensino, sejam elas municipais ou estaduais”. “Com isto, atinge-se dois objetivos: (i) aumenta-se o valor investido por aluno, exigindo menor complementação da União, e garante-se melhor equidade na distribuição”, completa.

O Ceará é citado como referência para melhorar a eficiência do gasto em educação. O caso do Estado, que tem bom desempenho (Ideb superior a 6,0) com investimento por aluno da ordem de R$ 3.735 (em valores de 2018), reforçaria que é possível obter bons resultados com valores nesse patamar - diz o documento. “Observa-se, por exemplo, que o estado aplicou menos que Sergipe e conseguiu um melhor resultado.”

Nas negociações, o governo insiste em iniciar o aumento da complementação na educação básica em 2022 e não no ano que vem, que seria mantido em 10%. A alegação é a limitação de recursos e a necessidade de maior flexibilidade orçamentária no processo de recuperação econômica após a pandemia. Também não aceita a ideia de excluir a possibilidade dos Municípios pagarem aposentadorias dos professores com recursos do Fundo, dada a situação fiscal frágil dos entes, que os colocariam em um quadro de risco de quebra para pagar os benefícios previdenciários de seus inativos.

O Instituto Educatores, que reúne ex-secretários estaduais de Educação, divulgou nota com críticas à proposta do governo. Segundo a instituição, se o plano for seguido, isso representará o fim do Fundeb. “Não é apenas um total desrespeito ao Congresso Nacional e aos diversos atores que participaram da ampla discussão da PEC 15/2015 nos últimos cinco anos, mas um claro indicativo que o Ensino não é prioridade para quem a escreveu”, diz.

O Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed) também criticou a proposta em vários pontos. Um deles refere-se à contraproposta do governo para remuneração dos professores. A entidade conclama lideranças do Congresso a aprovar o texto de Dorinha “tal como esta se apresenta hoje, pois representa o resultado de mais de cinco anos de amplo debate com Estados, municípios e a sociedade civil organizada em benefício da educação no Brasil”. (Colaborou Raphael Di Cunto)