Título: A guerra secreta de Obama
Autor: Fernandes, Pablo Pires
Fonte: Correio Braziliense, 20/01/2013, Mundo, p. 18

Você sabe o que é um drone? É bom saber porque esse artefato tecnológico já é uma realidade. E ele veio para ficar, para o bem ou para o mal. Um drone é um “veículo aéreo não tripulado” (UAV, na sigla em inglês), uma aeronave controlada a distância. Muitos países já têm domínio dessa tecnologia e seu uso é largamente empregado para inúmeros fins. Um drone pode servir para mapear rios e notificar enchentes, dimensionar colheitas ou monitorar o tráfego em tempo real, por exemplo. No entanto, o setor militar é o que tem dado mais ênfase ao desenvolvimento dessa tecnologia, com emprego imediato pelas Forças Armadas de vários países, incluindo o Brasil. O uso desses robôs aéreos como arma é controverso. Já é determinante, porém, na maneira de se guerrear atualmente. O uso dessas máquinas, em menos de 10 anos, já deixou um grande rastro de morte e destruição por onde sobrevoou. Essa prática traz novas questões logísticas estratégicas, mas também legais e éticas. As regras atuais já não servem. Como um militar americano, por exemplo, sentado diante de um computador, em uma base militar no Deserto de Nevada, decide, em tempo real, o alvo de um míssil nas montanhas do Paquistão? Fato é que as consequências dessas transformações tecnológicas certamente serão duradouras e definitivas.

A tecnologia dos drones é conhecida por vários países há alguns anos, mas seu pleno desenvolvimento se deu nos Estados Unidos. A partir da Guerra do Golfo, em 1991, as possibilidades desse recurso mereceram atenção especial da cúpula militar americana. Diante dos eventos de setembro de 2001, o governo do republicano George W. Bush criou um regime de exceção com amplas consequências.

O trauma dos ataques serviu aos EUA para justificar certas práticas ilegais, como a tortura de prisioneiros e assassinatos seletivos (target killing) realizados com essas aeronaves. O primeiro ataque registrado de um drone ocorreu no Iêmen, em 2002. Aos poucos, o uso desse recurso para atingir alvos tornou-se prática corrente. De 2004 até o ápice de 2008, Bush manteve drones sobre o Afeganistão e o Paquistão, recolhendo dados e lançando bombas.

Quando candidato à Presidência em 2008, o democrata Barack Obama pregou mudança. Criticou as guerras e o militarismo excessivo de Bush. Era então a vez do diálogo, da diplomacia e do multilateralismo. Todavia, nesse primeiro mandato que se encerra amanhã, praticou o oposto do que havia prometido.

Desde sua posse, em 20 de janeiro de 2009, Obama consolidou o uso dos drones como principal diretriz de sua política militar para lidar com a velha guerra ao terror herdada de Bush. John Brennan, consultor de contraterrorismo da Casa Branca (e, não por acaso, indicado pelo presidente para chefiar a CIA há apenas duas semanas), é o mentor dessa prática que pretende debilitar os grupos terroristas eliminando seus líderes.

Ações O incremento da prática de assassinatos seletivos nos dois primeiros anos do mandato Obama em relação a seu antecessor impressiona. A New American Foundation relata 42 ações nos últimos cinco anos da administração Bush. Nos dois primeiros anos de mandato Obama, foram realizadas 171 — contagem considerada por alguns como modesta.

A ação dos drones em outros países é tratada com ressalvas pelos tradicionais meios de comunicação e com todos os tipos de filtros e reservas pelo governo dos EUA. Sabe-se pouco sobre a extensão do programa e suas reais consequências. As informações divulgadas pelo Pentágono — e reproduzidas mundialmente — são incompletas, vagas e questionáveis.

Um relatório da New American Foundation (NAF), de fevereiro de 2010, afirma que, desde 2004, 114 ataques de drones no Paquistão mataram entre 830 e 1.210 pessoas, das quais entre 550 a 850 são descritas como militantes, de acordo com fontes “seguras” da imprensa. Logo, o documento conclui que 32% civis foram mortos nesses ataques. O levantamento da New American Foundation é o mais citado pela imprensa mundial sempre que a morte de civis é posta em discussão. Tornou-se um parâmetro.

No entanto, várias pesquisas colocam em xeque a precisão metodológica e os números apresentados pela New American Foundation. Em agosto do ano passado, o Bureau of Investigative Journalism, uma organização inglesa, divulgou um relatório argumentando que os números são outros. O documento aponta que houve 8% a mais de ataques e, pelo menos, 40% mais mortes do que o relatado anteriormente. A investigação constatou que entre 392 e 781 civis foram mortos, sendo que 174 eram crianças. E, de acordo com essa pesquisa, há 1.158 feridos, para não falar dos traumas da população em geral.

Críticas Nos EUA, o debate sobre o programa de assassinatos seletivos ainda é restrito a grupos politicamente mais ativos. No entanto, as contradições entre o que é divulgado pelo governo americano e sua prática têm sido analisadas por algumas organizações e jornalistas. A American Civil Liberties Union (Aclu) tem acompanhado a questão de maneira rigorosa e pede na Justiça a abertura dos documentos “classificados”.

O ativista de direitos humanos americano Ed Kinane, crítico feroz do uso militar dos drones pelos Estados Unidos, afirma, em entrevista por e-mail, que considera a prática ilegal e defende uma resistência civil para combatê-la, tornando-a pública e passível de debate. “Aqui nos EUA, há uma grande campanha a favor dos drones armados. A mídia se concentra na tecnologia e na habilidade aparentemente mágica de eliminar os ‘caras do mau’ – redefinidos recentemente pelo Pentágono como qualquer homem acima de 16 anos de idade em uma zona de conflito. A propaganda funciona.” Ele até admite que as aeronaves ajudam nas operações de campo e salvam a vida de alguns militares. “No entanto, os drones matam, mutilam ou desalojam um número incontável de civis e não combatentes. E aterrorizam centenas de milhares.”

174 Total de crianças paquistanesas mortas no Paquistão de 2009 até agosto de 2012, segundo o Bureau of Investigative Journalism

TRÊS PERGUNTAS PARA // BRETT KAUFMAN Advogado e integrante do Projeto de Segurança Nacional da American Civil Liberties Union (Aclu)

Como vê a relação entre a administração Obama e os meios de comunicação? Na Justiça, o governo se recusa a informar o papel da CIA no programa de assassinatos seletivos, mesmo quando se engaja em uma campanha pública defendendo o programa que, em parte, se baseia em vazamentos de informações selecionadas e de interesse próprio. Há uma lacuna enorme entre o que a administração afirma em público e o que diz na Justiça, declarando que não pode revelar detalhes sem colocar a segurança nacional em risco. O jogo duplo do governo é legal e democraticamente indefensável e impede o público de formar um julgamento bem informado a respeito do programa de assassinatos seletivos e do uso de drones para conduzi-lo.

Quais são as principais ações da American Civil Liberties Union (Aclu) no primeiro mandato de Obama? Buscamos transparência e prestação de contas sobre o programa de assassinatos do governo. A administração deve ser transparente a respeito da autoridade legal que invoca para justificar os assassinatos, as bases de evidências para tal e o processo utilizado para determinar quem pode ser morto. O governo também deve prestar contas pelas violações da Constituição e da lei internacional causadas pelo programa. Temos em curso duas ações sob o Freedom of Information Act (Ato de Liberdade de Informação, que obriga os governos a divulgar seus documentos) que buscam informação sobre o programa, incluindo as justificativas legais, domésticas e internacionais, assim como dados sobre quem foi assassinado e a extensão do número de vítimas.

Como a prática de assassinatos seletivos conduzidos por drones afeta a credibilidade do Estado de direito e do sistema legal internacional? Os EUA são mentirosos ao reivindicar a autoridade da lei de guerra para realizar assassinatos longe de qualquer campo de batalha. Se o programa é legal, como o governo sustenta, então ele deve ser franco e específico com o público sobre como e porque. A recusa de explicar a autoridade legal e o processo por trás do programa e a resistência de qualquer revisão externa de suas ações nos tribunais mina o Estado de direito e encoraja outros Estados a semelhante desconsideração das obrigações para com a lei internacional. Na realidade, nenhuma outra nação reivindica a autoridade de matar que os EUA se atribuem, o que faz o país abrir um perigoso precedente. Se queremos que nenhum outro país reivindique a autoridade de declarar pessoas inimigas do Estado e mate-as fora de uma zona de conflito reconhecida, então não deveríamos reivindicar essa autoridade.