Valor econômico, v.21, n.5047, 21/07/2020. Política, p. A18-A19

 

Fundeb tem alta chance de aprovação na Câmara

Raphael Di Cunto 

21/07/2020

 

 

A Câmara dos Deputados e o Senado Federal pautaram para votação esta semana quatro propostas com relevância econômica que têm alta chance de aprovação nos próximos 180 dias, segundo projeção do Estudos Legislativos e Análise Política do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap/Ello) para o Valor Política.

O Senado ainda não divulgou sua pauta para a semana e todos os projetos elencados serão votados pelos deputados. Desses, três se referem a medidas de mitigação dos efeitos do coronavírus na economia: a suspensão dos pagamentos do Minha Casa, Minha Vida na faixa 1 (que é subsidiada pelo governo) durante a pandemia, o pagamento de um abono para feirantes e agricultores familiares que não puderem vender sua produção e a medida provisória (MP) de cria uma linha de crédito emergencial para pagamento da folha de salários.

O texto mais polêmico em debate na Câmara, porém, não tem relação com a covid-19. Trata-se da proposta de emenda constitucional (PEC) que torna o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) permanente e dobra os aportes do governo federal. O Executivo é contra a proposta e quer alterá-la para financiar parte da reformulação do Bolsa Família.

Por causa da pandemia, as duas Casas estão com uma agenda reduzida, sem o funcionamento das comissões, e somam apenas esses quatro projetos previamente pautados em plenário. A probabilidade de aprovação dos projetos é calculada pelo Cebrap/Ello com base num modelo estatístico sobre o histórico de votações desde 1988.

O Decisão Legislativa é um serviço exclusivo, desenvolvido em parceria com o Cebrap/Ello, para acompanhar o processo decisório no Congresso Nacional sobre temas relevantes para a economia.

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Fundeb amplia gastos em até R$ 8 bi 

Fabio Graner

Raphael Di Cunto 

21/07/2020

 

 

Com a proposta de direcionar 5% da complementação ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para gastos voltados à primeira infância, o governo ampliará suas despesas em um montante entre R$ 7 bilhões e R$ 8 bilhões até 2026, sem consumir espaço no teto. Isso ocorre porque o Fundeb está fora do limite constitucional de despesas que vigora desde 2017.

O montante representa quase um terço do orçamento atual do Bolsa Família. A proposta inicial do governo, apresentada no fim de semana, previa que esses 5% seriam aplicados na forma de transferência direta de renda (seja com aumento do Bolsa Família ou por meio de um vale para bancar o pagamento de creches) para as famílias com crianças em idade pré-escolar ou nos primeiros anos do ensino fundamental.

Mas a ideia contou com fortes resistências apresentadas pela bancada da educação e a negociação já empurrava o governo para um conceito mais genérico de aporte de recursos para a primeira infância. Ainda não estava claro como se daria o novo conceito de repasse do dinheiro federal.

O governo vem preparando seu Bolsa Família turbinado, a se chamar Renda Brasil, cuja ideia é juntar alguns outros programas sociais e incluir pessoas que estavam de fora do sistema de transferência de renda. Com parte do dinheiro carimbado como Fundeb, a capacidade do novo programa poderia ser reforçada sem afetar o teto de gastos.

A ideia mostrou-se polêmica não só com o setor de educação, que vê uma redução significativa no impacto da proposta da deputada Dorinha Seabra (DEM-TO) sobre o setor, mas também nos meios econômicos, por conta do fato de que isso envolve um escape do limite de gastos.

Para Roberto Ellery, professor de Economia da UnB, a proposta do governo na prática é uma tentativa de escapar da restrição fiscal imposta pela Constituição. “Isso é driblar o teto, governo claramente está buscando uma brecha. Não será ilegal, se o Congresso aprovar. Mas, se é para reforçar programas sociais, o que é meritório, é preciso enfrentar o problema [fiscal] de frente”, disse.

O economista lembra que o governo já usou outras possibilidades de fazer gastos fora do teto. Um dos casos é o da capitalização de empresas estatais, o mais famoso é o da Emgepron (ligada à Marinha), de R$ 7,6 bilhões no ano passado. Outro exemplo é a edição de créditos extraordinários, que permite gastos adicionais ao Orçamento sem a restrição do teto. Esse instrumento está sendo largamente utilizado nessa crise, para viabilizar as ações de enfrentamento da pandemia da covid-19.

“Sinceramente, acho que deveria fazer [o novo programa social] obedecendo o teto. Se o governo acha que não dá, que diga isso abertamente. O que incomoda é essa mania de driblar”, afirmou, ressaltando ainda que movimentos para se desviar das restrições fiscais geraram problemas no passado, como os ocorridos no governo Dilma Rousseff. Ele também criticou o fato de o governo apresentar muito em cima da hora uma proposta para o Fundeb, tema que está há vários anos no Congresso.

Uma fonte da área econômica não considera que a proposta representaria um drible no teto de gastos. A visão é que o objetivo do governo é corrigir uma distorção, já que a destinação do Fundeb na sua maior parte vai para pagamento de salários. A leitura é que esse caminho sugerido cobriria uma lacuna constitucional envolvendo a educação infantil, e está alinhada com o conceito de reforço ao pacto federativo.

Se o uso do Fundeb como mecanismo para elevar o gasto na educação retira a amarra do teto, esse movimento, porém, não resolve a questão fiscal de forma mais ampla. Uma das resistências que a equipe econômica levantava nas discussões era exatamente a falta de fonte de recursos para financiar as despesas maiores propostas pela deputada Dorinha.

Em outras palavras, ainda que livre do teto, esse maior repasse significa uma piora no resultado primário, em um contexto de endividamento público elevado.

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Governo cede e propõe aumento ainda maior 

Raphael Di Cunto

Fabio Murakawa

Fabio Graner

21/07/2020

 

 

Após defender que parte do aumento de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) fosse usado para viabilizar a reformulação do Bolsa Família, o governo Jair Bolsonaro cedeu ontem e aceitou um aumento nas verbas até maior do que o proposto pelos parlamentares, mas quer atrelar parte disso para a primeira infância (de 0 a 6 anos), em especial a criação de vagas em creches.

O modelo desse novo repasse ainda não estava definido até a noite de ontem, mas a promessa do governo era oficializar suas sugestões hoje, para que a proposta de emenda constitucional (PEC) que prorroga o Fundeb possa ser votada à tarde pelo plenário da Câmara. O aceno, contudo, é que o aumento dos repasses extrapolaria os 20% iniciais projetados no relatório da deputada professora Dorinha Rezende (DEM-TO) e chegaria a 23%.

Atualmente, o governo complementa os gastos de Estados e municípios com educação básica (de 4 aos 17 anos de idade) em 10%. O aumento para 20%, na projeção da Câmara, representaria um gasto adicional de R$ 13,9 bilhões em 2026. A elevação dos repasses será gradual, em seis anos.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, era contra aumentar a complementação para além de 15%. Como sua proposta não encontrou eco no Congresso, ele a reformulou e passou a defender que os outros 5% fossem usados para transferir renda para que famílias carentes com crianças na primeira infância - parte da reformulação do Bolsa Família, que o governo Bolsonaro quer batizar como Renda Brasil e substituir o auxílio emergencial da pandemia.

A proposta gerou críticas dos deputados e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por não ter relação com a educação e ser apresentada às vésperas da votação. Na opinião de Maia, seria uma “burla” ao Teto de Gastos, que impede o crescimento das despesas acima da inflação, mas tem como exceção os repasses do Fundeb.

O ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, trabalhou para adiar a votação e convencer os deputados a ajustar o texto. Reuniu-se com os partidos de manhã e, diante das resistências, voltou a se encontrar à tarde com Maia, Dorinha, líderes partidários e deputados ligados à educação e sinalizou com o aumento dos aportes. O percentual chegaria a 23%, mas com até 5% investidos em vagas de pré-escola, creche e educação infantil.

O formato de repasse desse adicional ainda seria regulamentado, mas foi elogiado pelos parlamentares. “Vamos manter as bases do projeto, agora com possibilidade de avanços e não mais retrocessos”, afirmou a deputada Tabata Amaral (PDT-SP). O líder do PSDB, Carlos Sampaio (PSDB-SP), reforçou que o projeto não tem mais relação com o Renda Brasil. “Não tem nada mais de voucher, aquelas coisas de comprar vaga ou não em creche. É tudo para educação, não tem nada relação com assistencial”, disse.

Outro acordo fechado foi reduzir um pouco mais o aumento das verbas para educação em função da pandemia da covid-19 e da maior restrição fiscal por causa da queda da arrecadação atrelada ao aumento de gastos emergenciais. Antes da calamidade pública, os deputados planejavam um aumento para 15% no ano que vem. Com a crise, passou para 12,5% e, após a reunião de ontem, será de 12% em 2021. Guedes tentava manter em 10% e só permitir qualquer elevação no ano seguinte, mas saiu derrotado pela negociação.

O governo ainda tenta modificar outros dois pontos do projeto. Quer limitar os gastos com pagamento de professores a 80% do fundo e permitir o custeio de aposentadorias. A relatora é contra as duas modificações, mas há divergências entre os partidos e o Executivo ainda avalia se tentará mobilizar sua base aliada no Congresso para votar emendas. A dificuldade é o quórum: o governo conta com cerca de 200 deputados, número suficiente para impedir, mas não para aprovar uma PEC (são 308 votos).

Por isso, o Palácio do Planalto comemorou o adiamento da votação, prevista inicialmente para ontem. Entre auxiliares palacianos, a expectativa era de uma derrota certa para a contraproposta do governo ao texto da relatora, caso o texto tivesse sido mesmo levado a voto ontem. O governo ainda tenta postergar a votação ao máximo possível. Embora Maia insista em votá-la hoje, a intenção do Executivo é que a votação aconteça apenas na semana que vem, pelo menos.

A alegação é de que o novo ministro da Educação, Milton Ribeiro, assumiu só na quinta-feira e não está a par do assunto. Ontem, Ribeiro anunciou que testou positivo para a covid-19, o que levou o governo a reiterar os pedidos pelo adiamento. A votação é tida no Palácio como o maior teste até aqui para a nova base do governo, construída com cooptação do Centrão.