Valor econômico, v.21, n.5047, 21/07/2020. Política, p. A20

 

Flávio e Marinho podem passar por acareação

Isadora Peron

Vandson Lima

Renan Truffi

21/07/2020

 

 

O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) negou ontem ter recebido informações sigilosas sobre a Operação Furna da Onça, em 2018. A denúncia foi feita pelo empresário Paulo Marinho, suplente de Flávio no Senado, que rompeu com a família do presidente Jair Bolsonaro. Diante da contradição, o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (MPF-RJ) avalia realizar uma acareação entre os dois.

A acareação é uma técnica jurídica que consiste em colocar frente a frente testemunhas de um processo que levantaram pontos divergentes. Segundo uma fonte que acompanha a investigação, como houve uma “contradição” entre o que disse Flávio e Marinho, é preciso saber quem está mentindo para punir quem faltou com a verdade - ambos, ao prestarem depoimento como testemunha, se comprometeram em não mentir.

Flávio depôs ontem ao procurador da República Eduardo Benones, em seu gabinete no Senado. Na oitiva, que durou cerca de 40 minutos, o filho do presidente confirmou que participou de uma reunião na casa de Marinho em dezembro de 2018, mas negou que tenha recebido informações sobre a operação.

A Furna da Onça investigou o esquema de “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Foi durante as investigações que surgiu o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que apontou uma movimentação considerada atípica de R$ 1,2 milhão nas contas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio, quando ele era deputado estadual.

Após colher o depoimento de Flávio, Benones apontou que o senador “contradisse o senhor Paulo Marinho”. “Vamos avaliar agora com calma as respostas para ver o próximo passo”, disse.

Segundo o procurador, a investigação agora vai “começar a focar na Polícia Federal e começar a ouvir as pessoas que participaram da diligência, ouvindo os policiais federais que participaram da operação”.

O procurador afirmou ainda que o depoimento “foi rápido” porque foi “bem focado na reunião do senhor Paulo Marinho no dia 13 de dezembro”.

Ele afirmou que não abordou, durante o interrogatório, questões envolvendo Queiroz, que foi preso em junho apontado como o operador do esquema de “rachadinha” no gabinete de Flávio. “A gente não poderia misturar as investigações”, disse.

Ontem, após prestar depoimento, Flávio afirmou que espera que as autoridades tomem providências quanto ao que chamou de “mentiras” de seu suplente. “Isso é página virada. Espero que o Ministério Público do Rio e a Polícia Federal depois tomem providências sobre as mentiras que ele [Marinho] inventou”, disse o filho do presidente.

Para o senador, a denúncia tem interesse político. “Ele está mais interessado na minha vaga no Senado do que em tomar conta da própria vida. Ele é pré-candidato a prefeito do Rio pelo PSDB. As pessoas têm que entender que têm que construir a vida política pelos próprios méritos, sem tacar pedra nos outros.”

Segundo a advogada do senador, Luciana Pires, na oitiva, Flávio alegou que nunca tomou conhecimento de qualquer informação sobre a operação. “Ele afirmou categoricamente que as informações da Operação Furna da Onça nunca chegaram ao conhecimento dele”, disse.

A advogada lembrou que, na época, Flávio, que era deputado estadual, estava apoiando o deputado André Corrêa para a presidência da Assembleia Legislativa do Rio - Corrêa foi preso no âmbito da operação, em novembro de 2018. “Flávio não era alvo. Se ele soubesse de algum vazamento, obviamente não apoiaria um alvo”, afirmou a advogada.

Luciana também acusou Marinho de querer complicar Flávio porque, sendo seu suplente, ficaria com a vaga no Senado em caso de cassação, bem como de se autopromover com vistas à eleição municipal. “Nada sustenta as informações prestadas pelo senhor Paulo Marinho. Tudo o que ele falou até hoje, não conseguiu provar, moveu a máquina judiciária inteira por informações infundadas. É mais uma invenção espetaculosa de quem quer a suplência ou obter votos”.

Questionada pelo Valor sobre a possível acareação, a advogada disse que não iria comentar, pois essa possibilidade não foi cogitada durante o depoimento. Luciana assumiu a defesa do senador após a saída do advogado Frederick Wassef.