O Estado de São Paulo, n.46258, 11/06/2020. Política, p.A4

 

Voto de Fachin pede ajustes em inquérito das fake news

Breno Pires

Rayssa Motta

11/06/2020

 

 

Judiciário. Relator das ações no STF, ministro vota pela validade da investigação, mas com mudanças que podem limitar seu alcance, como foco específico e maior participação do MPF

Ministro. Edson Fachin negou ação pela suspensão do inquérito

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, votou ontem pela validade do inquérito das fake news, mas defendeu ajustes que podem limitar o alcance das investigações. Fachin sugeriu delimitar o foco nos ataques feitos a integrantes da Corte e seus famíliares e à democracia, além da maior participação do Ministério Público Federal. O inquérito é criticado por ser amplo demais e, até agora, tem como principais alvos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.

Em seu voto, Fachin afirmou que “são inadmissíveis”, no estado democrático de direito, a defesa da ditadura, do fechamento do Congresso Nacional ou do Supremo. “Não há liberdade de expressão que ampare a defesa desses atos. Quem quer que os pratique precisa saber que enfrentará a Justiça constitucional de seu país. Quem quer que os pratique precisa saber que este Supremo Tribunal Federal não os tolerará”, afirmou.

A investigação passou a ser fonte de preocupação no Palácio do Planalto após uma operação policial há quinze dias fechar o cerco contra o chamado “gabinete do ódio”, grupo de assessores do Palácio do Planalto comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do chefe do Executivo. A existência desse núcleo foi revelada em reportagem do Estadão em setembro do ano passado.

Entre os alvos da ação policial estavam blogueiros, youtubers e empresários suspeitos de participar de uma rede que atua na disseminação de fake news e de ataques aos ministros do STF e seus familiares. Um dos objetivos do inquérito é buscar quem financia o esquema.

Para Fachin, o objeto do inquérito deve ser limitado a manifestações que ameacem membros do STF e familiares, atentando contra o Supremo e a democracia.

Sem citar o ministro da Educação, Abraham Weintraub, Fachin afirmou que pedir a prisão de integrantes da Corte também é um tipo de ameaça que pode enquadrada no caso. O auxiliar de Bolsonaro passou a ser investigado após dizer, em reunião no Palácio do Planalto, ser preciso “botar estes vagabundos na cadeia, começando pelo STF”.

Segundo Fachin, no entanto, o inquérito não deve avançar sobre reportagens, postagens e compartilhamentos em internet e redes sociais que não façam parte de um esquema de divulgação em massa.

O ministro ponderou ser preciso garantir direitos fundamentais dos cidadãos, como a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, além do direito de investigados terem acesso aos conteúdos dos procedimentos criminais dos quais são alvo. Até a semana passada, isso não vinha ocorrendo no inquérito, que é conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes.

Controvérsias. O inquérito teve início em meio a polêmica de ter sido instalado por ato de ofício, assinado pelo presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, sem uma provocação do Ministério Público Federal, prática considerada incomum. Igualmente questionada foi a escolha de Moraes para comandar a investigação sem que houvesse um sorteio ou consulta aos demais ministros em plenário. Fachin não viu ilegalidade nesses dois pontos.

Na ação que começou a ser julgada ontem, a Rede Sustentabilidade se opôs ao inquérito por entender que o STF estaria extrapolou suas competências ao conduzir uma investigação criminal. Fachin é o relator deste pedido e, por isso, foi o primeiro a votar. O julgamento deve ser retomado na semana que vem.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, disse em sua manifestação que não pedia o fim do inquérito. “Mas para que esta Suprema Corte estabeleça as balizas necessárias para que não se eternize, mantenhase no objeto delimitado, e que todos os atos e diligências sejam previamente submetidos à apreciação do MPF”, disse.

A expectativa dentro do Supremo é que a maioria dos ministros dê sinal verde ao inquérito, num sinal de coesão contra os ataques que a Corte vem sofrendo.