Título: Os camaleões da moda política
Autor: Doria, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 19/01/2013, Política, p. 3

O poder costuma distanciar o político do povo que o elegeu. Na sobriedade dos gabinetes, ternos bem cortados e tailleurs de costureiros famosos são uma espécie de uniforme de um ambiente que — vigiado por fotógrafos, cinegrafistas e celulares multifuncionais — não perdoa extravagâncias. Mas nenhum político que dependa das urnas pode deixar que o eleitor se afaste. Nessa hora, imagens valem mais do que mil promessas.

Só que “vestir a roupa do povo” não é tarefa das mais fáceis. Dilma de gibão de couro só se explica pela ótica do calendário eleitoral.

Dos quatro presidentes eleitos diretamente após a redemocratização do país, Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva foram os que mais investiram na imagem de líder popular. Já Fernando Henrique Cardoso teve mais dificuldade. Comer buchada de bode na feira não pode ser considerado um programa espontâneo para FHC, muito menos passear de jegue no interior de Alagoas, em 1994. Ainda bem que o ex-ministro da Fazenda tinha o Plano Real como bandeira e não dependia de suas habilidades de vaqueiro para se eleger presidente.

Antes dele, porém, outro Fernando, o Collor, fez de tudo para sedimentar a imagem de líder carismático. Não vestiu gibão porque seu discurso era outro: o da modernidade contra o atraso. O figurino do Brasil arcaico não lhe cabia. Preferia ser fotografado em cima de uma possante motocicleta ou na cabine de um avião de caça. Mas a imagem do jovem caçador de marajás ruiu quando o país começou a conhecer os segredos da chamada República de Alagoas.

Dos quatro, só Lula se sentia realmente à vontade no papel de homem do povo. Adorava vestir um macacão para lembrar a origem operária. Boné do MST, chapéu de palha, chapéu de couro, cocar de índio… o que lhe dessem, subia à cabeça. Mas não se engane. O ex-torneiro mecânico sempre gostou de um terno bem cortado.

Figurino eleitoral

Fernando Collor de Mello Esta é uma das fotos mais conhecidas do então presidente Fernando Collor de Mello: a bordo de um jato de combate da Aeronáutica em pleno voo. Collor gostava de ser vinculado a símbolos do que considerava moderno: carros importados, motocicletas superesportivas, lanchas caras e jet skis. Além da fama de caçador de marajás do serviço público, ele também se esforçava para incorporar o espírito do administrador moderno de um país arcaico, do líder que abriu a economia brasileira ao mundo. Apesar de vir de uma rica família de usineiros alagoanos, Collor adotava, nos eventos públicos, a cartilha populista: deixava de lado a segurança para conversar diretamente com o povo. Outro hábito: vestir short, tênis e camiseta para correr pelas ruas de Brasília e reforçar a imagem de presidente jovem e atlético.

Fernando Henrique Cardoso A reboque do sucesso do Plano Real, a engenharia econômica que evitou que o país chegasse ao fim de 1994 com mais de 5.500% de inflação, Fernando Henrique Cardoso teve que enfrentar, na campanha que o levou à Presidência pela primeira vez, situações até certo ponto constrangedoras para um acadêmico refinado, que acabara de deixar o posto de ministro da Fazenda. O passeio no lombo de um jegue, no interior de Alagoas, um prato de buchada de bode na feira... Na foto acima, já presidente, FHC, com uma inapropriada calça branca, arrisca mais uma vez os dotes de cavaleiro. Ele estava em Petrolina (PE), para inaugurar um projeto de irrigação, já de olho na campanha pela reeleição.