Valor econômico, v.21, n.5048, 22/07/2020. Política, p. A11

 

Governo põe ‘digital’ no Fundeb e Câmara aprova aumento de R$ 18 bi

Raphael Di Cunto

Fabio Murakawa

Fabio Graner

22/07/2020

 

 

A Câmara dos Deputados aprovou ontem em primeiro turno, por 499 votos a 7, a proposta de emenda constitucional que aumenta o aporte do governo federal no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e o torna permanente.

Após o governo resistir por meses a elevar os gastos dizendo que havia restrições orçamentárias e um déficit fiscal a ser resolvido antes de criar mais despesas, o Palácio do Planalto cedeu e propôs um valor ainda maior que o pedido pelos deputados.

A PEC aumenta a complementação do governo federal no Fundeb dos atuais 10% para 23% até 2026. O ministro da Economia, Paulo Guedes, queria limitar a 15%, enquanto os deputados exigiam 20%. Por fim, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, responsável pela articulação política, propôs os 23% aprovados com apoio de todos os partidos, mas com parcela destinada a creches.

A mudança representará, segundo cálculos da Câmara, cerca de R$ 18 bilhões a mais em 2026. O número é baseado no segundo bimestre de 2020, quando houve queda de arrecadação, e não considera o possível crescimento da economia nos próximos anos.

O dinheiro extra pode aumentar o déficit fiscal do país, mas não estará restrito pelo Teto de Gastos, que limita à inflação o crescimento das demais despesas do governo federal. Não há ainda fonte de receita para custear o aumento, que, no próximo ano, será de cerca de R$ 3 bilhões.

Para o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), líder da oposição no Congresso, o governo adotou a mesma estratégia do auxílio emergencial. “Tinham proposto um valor pequeno de R$ 200, a Câmara aumentou para R$ 500 e o governo, para dizer que a proposta era dele, disse que topava R$ 600. Agora foi o mesmo. Não queriam aumentar, mas como viram que seriam derrotados, fizeram uma jogada de marketing para dizer que colocaram mais recursos”, disse.

O líder do governo na Câmara, deputado Vitor Hugo (PSL-GO), deu o tom do discurso. Afirmou que governos anteriores priorizaram os gastos com ensino superior e que o presidente Jair Bolsonaro cumpria sua promessa de campanha de focar na educação básica e infantil, aumentando os valores. Destacou ainda que outra vitória foi estabelecer que pelo menos 15% dos recursos novos serão usados para investimentos.A proposta da relatora Dorinha Rezende (DEM-TO) permitia gastar 100% em salários.

O governo não conseguiu emplacar, como queria Guedes, que parte do dinheiro fosse usado para transferência de renda ou num “voucher” para que famílias carentes “comprassem vagas” em creches privadas. Mas a PEC ampliou o escopo do Fundeb, hoje voltado para estudantes entre 4 e 17 anos, e estabeleceu que 5,25% da complementação do governo federal ao fundo será destinada a crianças entre zero e três anos.

Além disso, “no caso de falta de vagas na rede pública”, os novos recursos do governo federal poderão ser repassados para criação de vagas em escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas que não tenham fins lucrativos. Com isso, o governo abre a possibilidade de que o dinheiro vá para a rede privada de ensino, mas o dispositivo precisará de regulamentação.

Nos bastidores, a ala política do Executivo disse que as concessões foram uma forma de compensar a ausência do governo nas negociações - a relatora passou mais de um ano tentando ser recebida pelo ex-ministro da Educação Abraham Weintraub - e colocar uma digital do presidente Bolsonaro no modelo criado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o fundo.

Com o aumento dos recursos, o Fundeb passará de nove Estados atendidos para 24. Os 10% atuais continuarão a ser repassados pelo modelo existente hoje, que contempla os Estados mais pobres, mas os novos recursos serão distribuídos num novo formato, que considerará o gasto mínimo por aluno e as melhorias no sistema de ensino de cada local, premiando os melhores.

Os valores destinados pelo governo aumentarão ano a ano. Em 2021, o aporte será de 12%, subirá para 15% em 2022 e depois crescerá dois pontos percentuais até chegar em 23% em 2026, quando é prevista uma revisão nas regras de distribuição.

Até o fechamento desta edição, os deputados ainda tinham três emendas a analisar antes de concluir a votação da PEC em primeiro turno. O bloco governista tentava tirar a vinculação de recursos da Lei Kandir (que prevê a compensação das desonerações de exportações) do fundo e contava com apoio para derruba-la.

Já o Novo pretendia permitir que o dinheiro do Fundeb seja usado para pagar aposentadorias, argumentando que elas têm grande impacto nas contas dos Estados e municípios - e que aumentos para os profissionais da ativa são repassados para os inativos. A equipe econômica tentou essa mudança, mas desistiu.

Dos sete votos contrários à PEC, seis foram do PSL e um do PSC.

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PEC prevê revisão a cada dez anos 

Fabio Graner 

Raphael Di Cunto

22/07/2020

 

 

A proposta de emenda constitucional (PEC) que ampliou os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) tornou essa política permanente, mas prevê uma revisão na forma de distribuição do dinheiro em 2026 e também a cada dez anos. A revisão a cada década foi um pedido da equipe econômica do governo, para permitir ajustes, mas acabou desagradando os técnicos, que consideraram a redação “genérica”.

Os deputados votaram, na noite de ontem, mudanças no fundo, mas não conseguiram mexer no formato de distribuição dos recursos que já existiam. O modelo só foi alterado para dividir o dinheiro novo que será repassado pelo governo federal, diante da resistência das bancadas dos nove Estados que recebem hoje os repasses - e que são os mais carentes da federação.

A votação da PEC acabou impulsionada porque o Fundeb acabará em 31 de dezembro de 2020 caso não seja prorrogado - justamente a justificativa para votar o projeto, mesmo em meio à pandemia da covid-19. Como o fundo está se tornando permanente, a revisão da política pode acabar não ocorrendo por questões políticas. Não haverá penalidades caso isso ocorra.

O líder do governo na Câmara, deputado Vitor Hugo (PSL-GO), destacou a mudança como relevante para que as próximas gerações possam avaliar os erros e acertos das mudanças feitas agora. “Em 2006 os deputados já anteviam a necessidade de rever o Fundeb. Talvez, se não tivesse essa previsão na Constituição, não estaríamos revendo o fundo agora em meio a pandemia do coronavírus”, afirmou.

A posição é a mesma da equipe econômica, que, contudo, não ficou satisfeita com o resultado. O governo ponderava que os gastos com educação tendem a cair, já que há menos pessoas nessa faixa populacional, e que seria preciso destinar mais recursos para políticas públicas voltadas a outras idades. Por isso, queriam permitir as futuras gerações considerarem se a política está sendo ou não eficaz.

Além disso, criticam a permissão para gastos com salários dos profissionais da educação, o que fará quase todo o dinheiro ser consumido por gastos com pessoal - na última tratativa, o governo conseguiu garantir que pelo menos 15% dos recursos novos, cerca de R$ 2,7 bilhões dos R$ 18 bilhões previstos para 2026, será destinado a investimentos.

A proposta ainda pode ser alterada pelo Senado, onde o governo poderá negociar com mais força, já que ficou praticamente ausente dos debates na Câmara até a véspera da votação e correu para fazer os ajustes.