Título: Sorry, mas Brasília não speak English
Autor: Sakkis, Ariadne; Andrade, Iano
Fonte: Correio Braziliense, 20/01/2013, Cidades, p. 28

Entender e conseguir ser entendido são quesitos fundamentais para o sucesso de uma viagem. Notoriamente, quando se vai ao exterior. Por isso, os turistas estrangeiros que se preparem para a experiência em Brasília. O mais provável é que eles fiquem perdidos na tradução. Ou melhor, na falta dela. A capital do país sediará a abertura da Copa das Confederações neste ano e sete jogos da Copa do Mundo de 2014. Milhares de torcedores das mais diferentes nacionalidades desembarcarão na cidade. Mas o que se vê na rua é a precariedade no preparo de pessoal e de estrutura para atender quem não entende português.

Durante dois dias, o Correio testou a capacidade dos serviços e dos pontos turísticos de Brasília em atender e dar informações em inglês e espanhol, as línguas faladas pelos países que mandam mais turistas para a capital brasileira — Estados Unidos e Argentina (leia ilustração). Salvo raras exceções, como no sistema hoteleiro, no aeroporto e no Memorial JK, boa parte dos locais visitados pela reportagem não disponibiliza conteúdos em outros idiomas, muito menos funcionários que falam inglês.

O impasse, quase sempre, é resolvido com o jeitinho brasileiro. E viva a linguagem corporal, a exemplo do que faz a atendente de uma loja de presentes no aeroporto. Ela entende que a pergunta, feita em inglês, é se a blusa é masculina ou feminina. Mas incapaz de explicá-lo na língua estrangeira, responde como pode. Gesticula como se tivesse seios enormes.

Sinalização

A cidade também não conta com sinalização bilíngue. Segundo a Secretaria de Turismo e a pasta da Habitação, novas placas, em três idiomas, devem ser instaladas até, no máximo, o início de 2014. O dinheiro foi captado com o Ministério do Turismo, mas falta a licitação. A instalação deve acontecer em todos os pontos turísticos da capital, incluindo a Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida, monumento ícone de Brasília, que hoje está sem as placas indicativas e interpretativas até mesmo em português. Nos Centros de Atendimento ao Turista, os atendentes falam idiomas variados. Apesar disso, no dia em que o Correio esteve na unidade da Praça dos Três Poderes, não havia mapas em espanhol ou em inglês.

AEROPORTO JK Um finge que fala, outro, que entende

Um estrangeiro sem o menor conhecimento de português passará aperto para conseguir o que precisa nas companhias aéreas operantes no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, principal porta de entrada da cidade. Em inglês, o Correio tentou obter informações sobre como comprar uma passagem em cinco empresas. Em quatro, a missão falhou por falta de funcionários bilíngues.

No balcão da Delta Airlines, companhia norte-americana, o atendente do guichê em serviço não falava inglês. Sorri sem graça e pede, então, ajuda à colega da Copa Airlines, empresa panamenha. A moça tampouco conhecia o idioma. Foi a vez de recorrer ao companheiro da American Airlines.

Em inglês fluente, o funcionário não apenas se oferece a auxiliar como providencia um levantamento de voos para Nova York. Uma moça anota os horários e o valor da passagem por pessoa. Após concluir o atendimento, quando encontram uma passagem mais barata, os funcionários abordam a reportagem novamente para informar o outro preço.

Na TAM, a funcionária do guichê de vendas tampouco fala inglês, mas entendendo que era preciso falar com alguém que soubesse, recorre a um colega de empresa. “Gustavo”, disse, apontando para o outro lado. Como havia dois funcionários, ela tenta resolver a dúvida pela descrição física. Põe a mão sobre a cabeça para indicar que era o mais alto e, depois, esboça abrir os braços, formando parênteses, para indicar que é também o mais pesado.

Mas o inglês de Gustavo é, nas palavras dele, “more or less (mais ou menos)”. Com dificuldade e após alguns enganos, ele indica o balcão de compras da empresa, no fundo do primeiro piso do terminal. É lá onde se concentram os postos de vendas de bilhetes de diversas companhias. Só há avisos em português de que é necessário retirar uma senha e aguardar o atendimento. A reportagem tenta pedir informações à funcionária da Avianca, sem sucesso, já que ela também não domina o inglês.

Confusão

Em frente a uma das escadas rolantes de acesso ao primeiro andar, há ainda um posto de administração da Inframérica, empresa argentina concessionária do Aeroporto JK. A funcionária é a primeira abordada pelo Correio. Não fala inglês ou espanhol, mas tenta ajudar a reportagem. Em tom de voz mais alto do que o habitual, diz: “Balcão, English”. E aponta para o centro de atendimento e de informações montado no centro do saguão de check-in.

Lá, uma atendente informa que ela e outras três pessoas sabem inglês e podem ajudar. Educadamente, a funcionária responde às perguntas e se oferece para acompanhar o atendimento na companhia. De acordo com a Inframérica, o balcão funciona 24 horas, e todos os funcionários são bilíngues. Dominam inglês, espanhol ou francês. As placas indicativas foram remodeladas e, assim como as antigas, também estão em dois idiomas.

Depois, a mulher indica como chegar à praça de alimentação do terminal. Esse é o local onde um estrangeiro tem mais chances de ficar completamente desorientado. No McDonald’s Café, a garçonete faz cara de sufoco quando vê que os clientes não são brasileiros. Diante de tantas perguntas, só consegue dizer, em português, que a língua local é a única opção. O diálogo melhora quando o espanhol substitui o inglês. Apesar de conseguir registrar o pedido, quando se solicita um copo — vaso, em espanhol — a resposta é: “No banheiro. Primeira porta do corredor.”

A funcionária do Café Ritazza não compreende o que lhe questionam, mas entende os sinais de que a informação em questão diz respeito à área de fumantes. Faz o gesto de um trago e aponta para a escadaria. “Escada”, fala, enquanto mexe os dedos para indicar uma pessoa a subir e a descer.

Táxi

Na saída do aeroporto de Brasília, mais de 20 taxistas estão à espera de passageiros. No balcão de atendimento, a reportagem pede a um motorista que fale ou ao menos entenda inglês. A tarefa é muito mais difícil do que parece. O funcionário sai com o rádio na mão, em contato com a central da cooperativa. De um em um, pergunta a cada motorista se ele está apto a levar passageiros estrangeiros. Vai e volta sem nada.

Depois, quando o Correio sugere que a opção de idioma pode ser espanhol, mais uma vez, o rapaz percorre a fila, agora com novos motoristas, e volta com a mesma resposta. Ninguém se habilita. A central encontra um motorista, Luiz, que pode fazer a corrida. Passam mais de 10 minutos. “Do pessoal que trabalha aqui, só dois falam inglês. E tem uns 10 fazendo espanhol. Mas é pouco. A gente não sabe como vai ser na Copa”, reconhece o empregado, estudante de turismo, em espanhol, que está aprendendo na faculdade.

Luiz salva a classe. Estudou quatro anos de inglês. Alega que não fala muito bem, mas o vocabulário que tem é suficiente para explicar os bairros de Brasília, onde estão as obras de Oscar Niemeyer e como segue a vida na cidade. Por ser uma raridade no mercado, ele espera conseguir muitos clientes durante os eventos esportivos em 2013 e em 2014. “Vai ser apertado. Muitos colegas acham que não precisa (falar outra língua) porque há pouco turista”, revela.

CATEDRAL METROPOLITANA “Tres por diez, señora”, diz Divino

O fim do trajeto de táxi acaba na Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida, um dos pontos turísticos mais visitados da cidade. A reforma da igreja foi concluída há pouco tempo e, finalmente, não há mais tapumes em volta da obra-prima de Niemeyer. O estrangeiro que desce a rampa de acesso à nave do templo só tem uma informação à disposição traduzida para o inglês: “É proibido entrar sem camisa ou de bermuda”.

Se o turista não tiver em mãos um guia, provavelmente não descobrirá que os belos anjos suspensos são obra do escultor mineiro Alfredo Ceschiatti, nem que os vitrais têm a assinatura da francesa Marianne Peretti. Simplesmente, não há explicações sobre o monumento — nem em português nem em inglês. A única funcionária que o Correio encontra no local, uma moça que vendia livretos sobre a igreja, nada pode fazer por um gringo, pois não domina outro idioma.

A surpresa reservada aos turistas de outros países está do lado de fora da Catedral. Pelo menos para quem fala espanhol. Divino vende miniaturas da igreja, do Congresso Nacional e das esculturas A Justiça, de Ceschiatti, e Os Guerreiros, de Bruno Giorgi, integrantes do projeto da Praça dos Três Poderes. Ele fala o idioma com supreendente desenvoltura. A necessária para vender. “Tres por diez, señora. Dos por cinco (Três por dez. Dois por cinco)”, negocia.

Restaurante

“Do you speak english?” “Não. Só português mesmo. Bahia, minha filha”, responde um taxista pouco amigável. “Español?”. “Nada. Nadica de nada”, continua. O futuro da conversa a bordo do táxi é incerto. A depender do motorista, a comunicação acaba ali. Como os passageiros insistem, a conversa se arrasta cheia de mal-entendidos. Exemplo: quando questionado, em espanhol, sobre onde há uma casa de câmbio para trocar dólares, José, enfático, responde: “No restaurante. Certeza que a direção lá tem.”

A corrida acaba na 202 Sul, conhecida como Rua dos Restaurantes. O condutor aumenta bastante a voz e, em português a plenos pulmões, diz que ali dá para escolher a comida que quiser. Opções não faltariam. No Dona Lenha, apesar de a recepcionista não falar inglês, ela providencia o menu traduzido e conduz os clientes a uma mesa. O atendimento fica por conta de um garçom que, apesar de não ser fluente, sem problemas, anota os pedidos de comida e bebida e traz a conta, quando requisitada. No fim, dá indicações de como chegar a outra loja na mesma comercial.

Parceria

O Correio ligou para quatro restaurantes conhecidos da cidade para tentar fazer reservas por telefone. Na churrascaria Fogo de Chão, rapidamente a reserva é feita por um funcionário bilíngue, que promete, inclusive, uma mesa especial. No Coco Bambu, a mesma coisa. Já no Piantella, consagrado pela presença constante de políticos, a tentativa acaba frustrada porque quem atende logo despacha o cliente e desliga o telefone por não entender do que se trata.

No Bier Fass do Pontão do Lago Sul, passam quatro minutos de espera para que alguém se habilite a fazer a reserva. “Arrisca um inglês?”, disse um funcionário para o outro. Até que um assume a ligação. “Speak slow porque I don’t speak English” (Fale devagar porque eu não falo inglês), pede o funcionário. Depois de muito jogo de cintura, ele conclui a reserva.

Para Clayton Machado, presidente do Sindicato dos Hotéis, Bares, Restaurantes e Similares de Brasília (Sindhobar), é preciso fazer muito mais a fim de que a capital brasileira esteja preparada para fazer um bom atendimento ao estrangeiro. “O funcionário acha que não precisa se qualificar, e muitos empresários não têm essa visão de negócios. Um pouco porque acham que não há demanda. Um restaurante com um menu em inglês é raro. E um garçom que fale inglês simplesmente não existe no mercado”, critica.

Alguns patrões aproveitam parcerias com entidades como o Senac, o Sesi e as ofertas de capacitação da Secretaria de Trabalho para receber melhor pessoas de outros países, mas a percepção de Machado é que as iniciativas são tímidas diante do desafio. Por isso, ele é pessimista quanto ao desempenho do setor durante a Copa do Mundo, em 2014. “O que vai acontecer é que o turista vai fingir que foi bem tratado, e os restaurantes vão fingir que fizeram um bom atendimento. No fundo, as coisas vão acabar resolvidas no jeitinho brasileiro, no improviso.”

PRAÇA DOS TRÊS PODERES Aqui, ambulante não passa aperto

É parada obrigatória de todos os turistas, brasileiros e de outras nacionalidades. A praça é o epicentro de alguns dos edifícios mais bonitos de Niemeyer. De um lado, o Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo. Do outro, o Supremo Tribunal Federal, corte máxima brasileira. Entre eles, o Congresso Nacional, centro da legislação. Além disso, lá está a Bandeira Nacional, o Panteão da Pátria e o Museu da Memória Candanga.

A praça conserva placas antigas, já desgastadas. Mas lá está a descrição bilíngue da história do lugar e o que cada construção significa. Atualmente, a Casa de Chá abriga um dos seis Centros de Atendimento ao Turista (CAT). A reportagem é recebida por uma funcionária solícita e bilíngue. Ela explica como chegar ao Palácio da Alvorada. No entanto, fica devendo um mapa oficial em inglês.

De acordo com Eliane de Sá, diretora de Serviços de Atendimento ao Turista da Secretaria de Turismo, há mapas em outras línguas nos CATs, e a falta do material foi pontual. “Além disso, temos E-cards, mapas com outras informações sobre a cidade, em inglês, espanhol e francês. Eles já estão sendo distribuídos, mas nos centros”, complementa.

Assim como na Catedral , o ambulante de lá não passa aperto. Uma vendedora de sorvete e souvenirs de Brasília capta o interesse pela mercadoria e, diante do primeiro “Hello”, diz que a peça de cristal custa “Twenty-five (R$ 25)”. Na despedida, solta um “Bye, thank you”.

MEMORIAL JK Museu é um dos poucos preparados

Entre os pontos turísticos visitados pelo Correio, o que se mostrou mais preparado para um estrangeiro é o museu desenhado para perpetuar a memória do patrono de Brasília, Juscelino Kubitschek. O memorial é administrado por uma instituição privada, e o visitante paga a entrada. Todos os objetos, fotos e espaços contam com placas indicativas bilíngues. O mesmo ocorre com o guia da visitação distribuído na entrada.

O turista também acessa todo o conteúdo dos painéis interativos, que contam a trajetória de JK desde o nascimento até a morte, em idioma estrangeiro. Ainda que a reportagem não tenha encontrado um funcionário fluente em inglês, a maioria foi capaz de dar orientações sobre o percurso e explicar o que são as salas do museu e como se dá o acesso ao túmulo de JK.