O Estado de São Paulo, n.46257, 10/06/2020. Política, p.A5

 

Em vez de palavrões, powerpoint sobre covid

Julia Lindner

10/06/2020

 

 

No Alvorada. Em reunião televisionada, Bolsonaro e ministros tratam de pandemia e evitam novas polêmicas

Mudança. Transmitida ao vivo nas redes, reunião ministerial teve clima ameno ontem

Se a discussão sobre o novo coronavírus ficou à margem na polêmica reunião ministerial de 22 de abril, a pandemia foi o principal tema do encontro de ontem, no Palácio da Alvorada, que, desta vez, contou com transmissão ao vivo. Diante dos holofotes, os mais de 40 palavrões ditos pelo presidente Jair Bolsonaro e seus auxiliares na reunião tornada pública pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, foram substituídos por intervenções polidas e uma apresentação de PowerPoint sobre as ações de combate à covid-19.

Bolsonaro questionou ali orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e defendeu, mais uma vez, o fim do isolamento social. O ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello lamentou, por sua vez, as milhares de mortes no País e tentou justificar a mudança na contagem de casos e óbitos, mas virou meme nas redes sociais ao mencionar o inverno no Nordeste.

“Para efeito da pandemia, nós podemos separar o Brasil em Norte e Nordeste, que é a região que está mais ligada ao inverno do Hemisfério Norte (...) e ao Centro-Sul, Sudeste e Centro-Oeste, que é o restante do País, que está ligado mais ao inverno do Hemisfério Sul”, disse Pazuello.

Não tardaram fotos de pessoas com casacos pesados invadindo as mídias digitais. “Com o dólar alto, esse ano não vou poder ir para Aspen! Estou pensando em esquiar no Brasil mesmo, ainda estou em dúvida entre Teresina e Fortaleza. Aceito sugestões”, ironizou no Twitter um usuário que se identificou como Coronel Siqueira.

Ao contrário do que ocorreu no encontro de abril, marcado por xingamentos, pitos de Bolsonaro e até bate-boca entre ministros, apenas alguns auxiliares foram selecionados ontem para falar. Ao vivo, eles aproveitaram para fazer um balanço de suas pastas, arquivando posições de confronto.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, que na reunião de abril havia defendido a prisão de ministros do Supremo, chamando magistrados de “vagabundos”, ficou longe do microfone.

Bolsonaro usou dados da OMS de forma distorcida, ao dizer que os pacientes assintomáticos possuem chance de transmissão “próximo de zero”. O presidente bateu nessa tecla para defender a retomada das atividades econômicas. O Brasil possui mais de 700 mil casos da covid-19 e mais de 37 mil mortes decorrentes da doença.

"Isso não é um dado comprovado, nós sabemos, mas é um dado bastante importante porque todas as observações da OMS conduzem para isso. É algo que tem que ser debatido, porque tem reflexo imediato no futuro do nosso Brasil", disse ele. A OMS, no entanto, alertou que há perigo de pessoas pré-sintomáticas transmitirem o vírus.

Sem ser contestado em nenhum momento, Bolsonaro relembrou que quebrou o isolamento social ao visitar recentemente comerciantes no Distrito Federal e, mesmo admitindo que a saída representava risco, disse que outros líderes deveriam fazer o mesmo. "Eu fui ver como esses informais estavam sobrevivendo, é de cortar o coração. Eu tinha que estar na ponta da linha até colocando em risco a minha saúde tendo em conta a minha idade, estando no grupo de risco", afirmou.