O Estado de São Paulo, n.46257, 10/06/2020. Metrópole, p.A11

 

Há contágio mesmo sem sintomas, reforça OMS

Guilherme Bianchini

José Maria Tomazela

10/06/2020

 

 

Entidade fez esclarecimento após diretora ter dito que transmissão era ‘muito rara’

A Organização Mundial da Saúde (OMS) esclareceu ontem que a transmissão da covid-19 está, sim, ocorrendo a partir de casos assintomáticos da doença, mas ainda não há conclusões sobre a proporção. A entidade decidiu se pronunciar um dia após a diretora técnica da entidade Maria Van Kerkhove dizer que a transmissão por pacientes sem sintomas era “muito rara”. O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, citou essa fala para defender a flexibilização da quarentena.

A retificação do discurso partiu da própria Maria Van Kerkhove. Ela afirmou que houve “mal-entendido” a partir de uma resposta na coletiva de imprensa de segunda-feira. Segundo a diretora, seu comentário não era uma declaração oficial sobre uma política da entidade.

“Temos pouquíssimos estudos – dois ou três – que tentaram acompanhar casos assintomáticos ao longo do tempo. É uma amostragem pequena. Falei que a transmissão por pacientes sem sintomas é ‘muito rara’, e isso pode ter causado o malentendido. Estava me referindo a estudos e a alguns dados que ainda não foram publicados. O que recebemos dos Estadosmembros é que, quando acompanhamos os casos assintomáticos, é muito raro encontrar uma transmissão secundária.”

O diretor do programa de emergências da OMS, Michael Ryan, foi ainda mais enfático. Ele garantiu estar “absolutamente convencido” de que a transmissão por pacientes assintomáticos está ocorrendo. “A questão é saber quanto.”

De acordo com Maria Van Kerkhove, as estimativas sobre a quantidade de pessoas assintomáticas no mundo são bastante prematuras. Pesquisas sugerem que uma faixa entre 6% e 41% da população global pode ter contraído o coronavírus sem manifestar sintomas.

A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), braço da OMS nas Américas, destacou a diferença entre assintomáticos – infectados que não apresentam sintomas – e pré-sintomáticos, pacientes na fase inicial da doença que ainda não manifestam sintomas. “Dados científicos, até o momento, mostram que é menos provável o contágio a partir de pessoa totalmente assintomática, em comparação com as pré-sintomáticas”, explicou o gerente de incidentes da Opas, Sylvain Aldighieri.

Isolamento. Especialistas criticaram a citação feita por Bolsonaro da fala da diretora da OMS como um aval para flexibilizar as medidas de isolamento (leia mais nesta pág.). “O que vemos, infelizmente, é o governo federal se segurando em qualquer tronco para justificar o discurso pelo fim do isolamento social”, disse o infectologista e epidemiologista Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza.

“Temos as pessoas que se tornarão sintomáticas e de um a dois dias antes de desenvolver sintomas já são bons transmissores do vírus. Pessoas oligossintomáticas, que têm poucos sintomas, com a doença muito leve, podem ser grandes transmissores. Por essa razão, o isolamento tem de ser mantido, pois nós não temos como identificar com toda clareza quem são.”