Correio braziliense, n. 20887 , 31/07/2020. Cidades, p.15

 

Ocupação dos leitos de de UTI passa de 90%

Jéssica Eufrásio

Tainá Seixas

31/07/2020

 

 

CORONA VÍRUS » No pico da pandemia do novo coronavírus, as unidades de terapia intensiva nas redes pública e privada chegam à situação crítica, com 92,8% de lotação. Boletim da Secretaria de Saúde registra 1.312 mortes e 104.442 notificações no Distrito Federal

O Distrito Federal começa a viver, de maneira ainda mais aguda, os efeitos da disseminação contínua do novo coronavírus. Ontem, a Sala de Situação da Secretaria de Saúde mostrou que o atendimento de pacientes graves está perto de atingir a capacidade máxima nas redes pública e privada. Nos leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) do Sistema Único de Saúde (SUS), 90,87% das vagas para adultos estavam ocupadas — é a primeira vez que a lotação passa de 90%. Na rede privada, apenas 3,6% estavam livres. Excluídos os leitos bloqueados ou aguardando liberação, o DF dispõe de 724 leitos de UTI nas duas redes, para pacientes com a covid-19 de todas as idades. Desse total, 92,8% estão ocupados.

Morador da Expansão do Setor O, Luan Rodrigues, 20 anos, enfrenta uma saga desde segunda-feira, quando o tio, Cícero Rodrigues, foi hospitalizado. O paciente apresentava sinais da covid-19 e acabou internado e intubado na UTI do Hospital Regional de Ceilândia (HRC). No entanto, Cícero depende de hemodiálise e deixou de fazer duas sessões devido à falta desse suporte na unidade hospitalar.

Agora, Luan e a família tentam conseguir a transferência de Cícero para uma UTI, onde ele possa fazer tratamento sanguíneo e renal. “Corremos atrás de todo o necessário para fazer a mudança dele. Estamos aguardando. Ele está em péssimas condições e teve falência respiratória. Falaram que não há médico ou automóvel para acompanhá-lo (na transferência). Em uma decisão, a Justiça liberou a mudança. Achamos que ele tinha sido encaminhado, mas vamos precisar ir ao HRC amanhã (hoje), para ver se tomam alguma atitude”, cobra Luan.

Os leitos de UTI permitem o monitoramento de pacientes durante todo o tempo e oferecem suporte para ventilação mecânica, para ajudar na respiração. Além disso, a equipe de saúde é multidisciplinar e especializada em cuidados intensivos. Ela inclui desde médicos e enfermeiros até fisioterapeutas, dentistas e psicólogos, para assegurar que os internados consigam se recuperar adequadamente.

Presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira no Distrito Federal (Amib-DF), Rodrigo Biondi comenta que o suporte de ventilação mecânica não é o único fator determinante para os leitos de UTI. Ele lembra que o trabalho multiprofissional e a tecnologia para manter um monitoramento constante não podem faltar. “Em outra unidade de internação, o paciente fica 24 horas por dia, mas as intervenções acontecem entre seis e oito horas por dia, no momento em que tem a maioria da equipe ali. Na UTI, se eu tiver de fazer uma tomografia de sábado para domingo, às 3h, eu vou fazer. Se uma pessoa estiver na enfermaria e precisar dessa intervenção, ela será transferida para a UTI”, explica.

A Secretaria de Saúde informou que a ampliação da capacidade de atendimento da rede pública acompanha a evolução dos casos da covid-19 tanto na parte de assistência pela atenção primária, na detecção de casos, quanto na parte de internação hospitalar, incluindo leitos com suporte de ventilação mecânica. Em relação às vagas em UTI, a pasta acrescentou que a regulação ocorre por meio do Complexo Regulador. “(A central) faz a busca por leitos que atendam às necessidades dos pacientes e, enquanto isso, eles seguem sendo assistidos pela equipe de profissionais do hospital onde estão internados”, detalha o órgão, em nota.

Novos casos

Ontem, a Secretaria de Saúde confirmou mais 25 mortes pela covid-19, que ocorreram entre 22 e 30 de julho. Com isso, o total chegou a 1.312 vítimas. A quantidade de casos da doença subiu para 104.442, com mais de 83% dos pacientes que se recuperaram. No entanto, em relação ao observado no dia anterior, houve 2,1 mil novos registros. Na última semana, esse indicador só ficou abaixo de 2 mil em dois dias: no sábado e na quarta-feira.

O tio e padrinho de Thamyris Rodrigues Cândido, 20, entrou para as estatísticas de mortes pela doença. Devido ao isolamento dos pacientes da covid-19, a família sequer pôde acompanhar Juvenal Borges da Silva, 52, no hospital. Ele ficou em coma na UTI de um hospital particular por cerca de quatro dias. “A gente só tinha informação pelo telefone, porque não podia ir ver como que ele estava. O médico ligou para a minha madrinha para ela ir ao hospital ver o laudo médico. No outro dia, ele faleceu. Foi ruim, porque nem perto do caixão a gente pode chegar, nem para saber se era ele quem estava lá dentro mesmo”, lamenta a moradora de Ceilândia.

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Entrevista - Alessandro Lopes: "A difusão da covid-19 é muito rápida"

31/07/2020

 

 

 A Sala de Situação da Faculdade de Saúde, na Universidade de Brasília (FS/UnB), acompanha de perto o avanço da covid-19 no Distrito Federal. Ontem, Alessandro Igor Silva Lopes, monitor do laboratório, concedeu entrevista ao programa CB.Saúde — parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília. O pesquisador é um dos responsáveis pela elaboração de análises epidemiológicas e comentou a necessidade de um pensamento macro por parte do Poder Público, além da importância de uma comunicação eficaz para que a população saiba como se proteger do novo coronavírus.

Qual é a real situação da covid-19 no Distrito Federal?

De ontem para hoje (quarta para quinta-feira), temos mais de 1,5 mil casos novos. No total, Brasília tem mais de 100 mil casos, 104 mil, com mais de 1,3 mil mortes. Aumentaria de qualquer forma, porque abriram o comércio. Você tem pessoas circulando, então, o vírus vai continuar circulando. É simples. A pandemia poderia ter sido evitada antes, caso tivessem sido tomadas todas as medidas. A situação é bem grave. Mas a Sala de Situação, junto a toda a Universidade de Brasília, está trabalhando dia e noite para oferecer ferramentas, máquinas, tudo o que possa contribuir.

De que forma a Sala de Situação contribui para que o GDF possa tomar as devidas ações no sentido de conter a disseminação do novo coronavírus?

A função da Sala de Situação é pegar a informação em saúde, analisar, sistematizar e passar de uma forma clara, para que o governo e as regiões de saúde consigam fazer uma tomada de decisão rápida e direcionada. A difusão da covid-19 é muito rápida, a contaminação acontece de forma acelerada. Na Sala de Situação, desde que a pandemia estourou em Wuhan (na China), viemos formulando. Fizemos um plano de contingência para a universidade (de Brasília), que tem mais de 30 mil alunos. E (isso) é um fator disseminador. Viemos fazendo planos de contingência, boletins informativos. Não só do DF. Trabalhamos com a Ride (Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno), porque, querendo ou não, ela é influente no DF. Trabalho, questão de comércio, saúde; as pessoas do Entorno vêm para Brasília buscar saúde.

No último documento que vocês prepararam para encaminhar ao Distrito Federal, vocês chamaram atenção redobrada para Ceilândia, Taguatinga e Plano Piloto. Ressaltaram também o risco de disseminação da doença em Sobradinho, Paranoá, Lago Sul e Papuda. O que pode ser feito para reverter esse quadro tão assustador?

Primeiramente, organizar realmente essa questão, entender o território. O que adiantou fazer lockdown em Ceilândia e no Pôr do Sol/Sol Nascente? Você priva mais ou menos 30 mil pessoas de trabalharem na própria região, sendo que 36 mil saem para o Plano Piloto. Essas 36 mil podem usar metrô, ônibus, meios de locomoção com aglomeração. Você não tem de pensar somente um lugar, tem de se pensar no todo. A medida de prevenção, de tentar parar essa aceleração, seria essa colaboração.

Na questão das mortes, vocês, novamente, chamam atenção redobrada para Ceilândia, Taguatinga e Plano Piloto, que registram os maiores números de óbitos. Mas ressaltam que a quantidade de vítimas pode aumentar em Brazlândia, Planaltina e Park Way. Ainda dá tempo de preservar vidas nessas regiões?

Tudo dá tempo. Precisa de coordenação. É sentar e entrar em um consenso. Por que tem de ser importante? Porque, se você perde vidas, você não movimenta a economia. Com a celebração do comércio, a população que está saindo de casa é a população economicamente ativa, que gira a economia, gera lucro e imposto. Se você contamina essa população e ela fica (cerca de) 17 dias no hospital, você trava a economia. Tem de se pensar nessa forma. Ceilândia é muito densa populacionalmente. Ela se sustenta por si só. Só que tem muitas pessoas que fazem esse fluxo (de trabalho). Taguatinga idem. Temos de pensar dessa forma. Brazlândia é mais longe. No percurso dessa pessoa — ao se dirigir para o posto de trabalho que tem fluxo muito grande para Plano Piloto e Taguatinga —, ela é colocada em risco.