Valor econômico, v.21, n.5049, 23/07/2020. Política, p. A16

 

Ramos ganha fôlego, mas ainda sofre com 'fogo amigo'

Fabio Murakawa

23/07/2020

 

 

A aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) deu novo fôlego ao ministro Luiz Eduardo Ramos (Segov), responsável pela articulação política.

Um dos auxiliares mais próximos do presidente Jair Bolsonaro, o ministro tem o posto cobiçado por aliados do governo no Congresso, enquanto tenta se equilibrar entre a fome de parlamentares por cargos de terceiro escalão e a insatisfação de bolsonaristas radicais com a ascensão do Centrão. A ala ideológica também o responsabiliza pela postura mais moderada adotada pelo presidente.

Ramos tem como trunfo a confiança de Bolsonaro, de quem é amigo desde 1973. E conta com o apoio dos ministros militares, que ganharam força com a pandemia e influenciando a guinada do que o governo ensaia rumo a uma posição mais centrista. Também tem uma boa relação com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Na votação do Fundeb, ambos fizeram questão de agradecer em público ao ministro, que conseguiu colocar alguma digital do governo na PEC.

Por outro lado, entre aliados de Bolsonaro começa a se cristalizar a ideia de que é necessário entregar a articulação política a um político, embora ressaltem qualidades do ministro - “boa praça”, “sabe conversar”, “é gentil e atencioso com todos” são os adjetivos mais ouvidos.

O ministro convive com a insatisfação de parlamentares que reclamam da demora do governo em entregar cargos e destinar emendas que lhes são prometidas. Eles perderam o pudor de fazer cobranças públicas e colocar o general, que até há um ano era comandante militar do Sudeste, em situações constrangedoras.

Uma dessas cenas aconteceu anteontem, horas antes da votação da PEC do Fundeb, protagonizada pelo deputado Hildo Rocha (MDB-MA).

“Sua caneta está sem tinta, hein, general”, gritou o parlamentar em pleno Salão Verde da Câmara, diante de colegas, assessores e jornalistas que estavam perto do ministro.

Ramos deu um sorriso amarelo e não respondeu. No dia seguinte, Rocha foi visto por assessores na antessala do ministro, no Palácio do Planalto.

A metáfora da “caneta sem tinta” é uma queixa comumente ouvida em relação a Ramos. Na percepção de congressistas, o ministro não consegue cumprir todas as promessas de cargos e emendas feitas a parlamentares durante as reuniões.

Fontes ouvidas pelo Valor afirmam que isso, em boa medida, se deve mais a características do governo Bolsonaro do que a uma falta de habilidade de Ramos.

O presidente entregou, dizem as fontes, ministérios de “porteira fechada”, e muitas vezes os titulares das pastas resistem a entregar os cargos prometidos pela articulação política.

Além disso, há o superministério da Economia, de Paulo Guedes, que é considerado “um governo autônomo dentro do governo”.

Isso vem gerando ruídos, como ficou claro na votação do Marco do Saneamento, sancionado em 15 de julho. Ramos havia combinado três vetos com o Congresso, mas por orientação da equipe econômica os vetos foram 11. Também houve bate-cabeça quando a equipe econômica passou a negociar o Fundeb diretamente com Maia.

Ontem, o presidente Jair Bolsonaro pediu que isso fosse arrumado. Coube ao ministro Braga Netto (Casa Civil), general da reserva e responsável pela articulação entre os ministérios, colocar ordem na casa. Após uma reunião da qual Ramos e Guedes participaram, ficou combinado que a Segov deve participar de todas as articulações dos demais ministérios em temas que envolvam o parlamento.

A decisão do presidente foi vista como um gesto de Bolsonaro para fortalecer o ministro, que está sob bombardeio.

Ramos é malvisto, além disso, pela chamada “ala ideológica” do Planalto, e tem uma relação difícil com os bolsonaristas raiz, que seguem essa linha no Congresso.

Vieram desses deputados quase todos os votos contrários à PEC do Fundeb, que foi aprovada na Câmara por 499 votos a 7. Votaram contra Bia Kicis (PSL-DF), Chris Tonietto (PSL-RJ), Filipe Barros (PSL-PR), Junio Amaral (PSL-MG), Márcio Labre (PSL-RJ) e Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP).

A relação de Ramos também é conturbada com o líder do governo na Câmara, Vitor Hugo (PSL-GO). Tampouco existe uma confiança mútua entre ele e Fábio Faria, deputado do PSD que assumiu o Ministério das Comunicações e também faz uma espécie de “articulação política informal”.

Pressionado por colegas militares, Ramos passará à reserva em agosto. Quando anunciou a decisão ao presidente, Bolsonaro perguntou ao ministro: “E se eu precisar do cargo?”.

“Fique tranquilo. Continuaremos amigos”, respondeu.