Correio braziliense, n. 20890, 03/08/2020. Mundo, p. 12

 

Biden em busca da escolha perfeita

03/08/2020

 

 

A três meses das eleições presidenciais dos Estados Unidos, aumentam as apostas sobre a chapa democrata. Líder nas pesquisas de intenção de votos, Joe Biden prometeu definir, em breve, o nome de quem estará a seu lado no embate com o presidente republicano Donald Trump, em 3 de novembro.  Recentemente, ele disse que faria o anúncio esta semana, mas cogita-se que só divulgue a escolha no dia 17, quando começa a convenção que vai oficializar sua candidatura.

Certo mesmo, por enquanto, é que dividirá a chapa com uma mulher, como anunciou em março, depois que os demais pré-candidatos democratas desistiram de concorrer às primárias. A escolhida será a terceira candidata à vice-presidência da história dos Estados Unidos, depois de Geraldine Ferraro, em 1984, e de Sarah Palin, em 2008, quatro anos depois de Hillary Clinton tornar-se a primeira mulher nomeada a disputar a Casa Branca.

A iminente escolha de Biden tem gerado grande especulação. Embora algumas pesquisas mostrem que a decisão terá pouco impacto nas intenções de voto de Biden, há estudos que indicam que o nome poderá fazer a diferença, mobilizando mais eleitores negros ou do Meio-Oeste americano, que votaram em Trump em 2016.

2024

Além disso, há, ainda, uma questão de grande relevância, que envolve o futuro democrata. Ex-vice de Barack Obama, que tem exercido um papel importante na arrecadação de fundos de campanha, Biden completará 78 anos em 20 de novembro. Assim, se derrotar Trump, será o presidente mais idoso a assumir o cargo, superando o republicano Ronald Reagan, que tinha quase 74 quando iniciou seu segundo mandato, em 1985.

“A eleição do vice-presidente este ano é muito mais importante do que normalmente porque as pessoas esperam que Biden só cumpra um mandato”, disse David Barker, professor de governo da American University em Washington. “E, então, quem ele eleger como vice-presidente, provavelmente, será a próxima candidata à Presidência dentro de quatro anos”, assinalou.

Para David Barker, é improvável que Biden tome uma decisão de “alto risco” quando está à frente de Trump nas pesquisas por uma margem confortável — em algumas sondagens, a vantagem chega a 10 pontos —, inclusive em swinging states, estados que têm votação ora em republicanos, ora em democratas.

Entre as possíveis candidatas, uma vem ganhando força nas apostas. Trata-se da senadora pela Califórnia Kamala Harris, que, em dezembro do ano passado, surpreendeu ao renunciar à corrida pela indicação presidencial e, três meses depois, declarou apoio a Biden. Advogada, 55 anos, filha de uma indiana tâmil e de um jamaicano, exerceu dois mandatos como promotora de San Francisco e foi eleita duas vezes promotora da Califórnia.

O nome dela passou a ser considerado ainda mais factível, na semana passada, depois que o flagraram escrito em um caderninho de notas que Biden levava consigo. Abaixo do nome, estavam algumas anotações, como “não guarda rancor”, “muita ajuda na campanha” e “grande respeito por ela”.

Não foram vistos registros sobre outras possíveis concorrentes. Coincidência ou não, o site Politico apontou Kamala Harris como certa para vice na chapa democrata em uma nota publicada em 1º de agosto. Em seguida, porém, o site disse que divulgar a informação havia sido um erro.

Racismo

A pressão para que a vice democrata seja negra aumentou depois de primárias com grande diversidade de concorrentes e de uma campanha eleitoral marcada pela pandemia do novo coronavírus, que tem castigado especialmente os afro-americanos. Soma-se a isso, a recente onda histórica de protestos contra a violência policial e o racismo, deflagrada pelo assassinato de George Floyd, no fim de maio, morto asfixiado por um policial branco.

Outras políticas proeminentes são consideradas, entre elas, a legisladora pela Califórnia Karen Bass. Aos 66 anos, ela lidera o grupo de congressistas negros que redigiu o projeto de lei de reforma da polícia que leva o nome de Floyd.

Ex-assessora de segurança nacional de Obama, a quem Biden conheceu  bem em seu período na Casa Branca, Susan Rice, 55 anos, também ganha projeção. Outra forte candidata é a prefeita de Atlanta, Keisha Lance Bottoms, 50 anos, que tem se destacado em meio à crise sanitária e que declarou, precocemente, seu apoio a Biden há mais de um ano.

Biden poderia, no entanto, visar outro segmento eleitoral considerado crucial para os democratas: o hispânico. Nesse campo, tem chances Michelle Lujan Grisham, 60 anos, primeira governadora democrata do Novo México.

Estão, ainda, na disputa as senadoras Tammy Duckworth, 52 anos, do Illiniois, e Elizabeth Warren, de Massachusetts. Aos 71 anos, a ex-pré-candidata gera dúvidas, porém, não só por suas posições consideradas de esquerda, assim como as defendidas por Bass, bem como por sua idade.

Frase

“A eleição do vice-presidente este ano é muito mais importante do que normalmente porque as pessoas esperam que Biden só cumpra um mandato. E, então, quem ele eleger como vice-presidente, provavelmente, será a próxima candidata à Presidência dentro de quatro anos”

David Barker, professor de governo da American University em Washington

 As postulantes

Confirma os principais nomes cotados para compor a chapa democrata que desafiará o presidente Donald Trump na corrida à Casa Branca

Kamala Harris

Depois de dois mandatos como promotora de San Francisco (2004-2011), foi eleita duas vezes promotora da Califórnia (2011-2017), tornando-se não só a primeira mulher, mas também a primeira pessoa negra, a chefiar os serviços jurídicos do estado mais populoso dos EUA. Em janeiro de 2017, foi empossada no Senado, em Washington, tornando-se a primeira mulher com raízes no sul da Ásia a chegar à Câmara alta na história do país, e a segunda mulher negra no Senado americano. Harris conhece bem o candidato democrata e era próxima do filho dele, Beau Biden, que morreu de câncer em 2015. Como pré-candidata democrata, surpreendeu ao atacar duramente Biden no primeiro debate, em 2019, questionando suas posições sobre políticas para acabar com a segregação racial na década de 1970. Depois, ela decidiu apoiá-lo.

Susan Rice

Embaixadora nas Nações Unidas e, depois, assessora de segurança nacional durante a Presidência de Barack Obama, seria de grande ajudar a Biden em questões delicadas de política externa. Com fama de não ser sempre muito diplomática, a afro-americana de 55 anos aprendeu a lutar com Rússia e China no Conselho de Segurança da ONU de 2009 a 2013 e, por isso, saberia mostrar a firmeza que o candidato democrata quer encarnar contra adversários estratégicos dos Estados Unidos. Pesa contra ela o fato de nunca ter passado por uma campanha eleitoral. Além disso, foi atingida pela polêmica sobre o ataque em 2012 contra a missão diplomática americana em Benghazi, na Líbia, o que a obrigou, naquele momento, a abrir mão de disputar o cargo de secretária de Estado e, agora, poderia torná-la alvo dos republicanos.

Karen Bass

Pouco conhecida, apesar da longa carreira parlamentar, a legisladora da Califórnia tem o perfil discreto que poderia agradar Joe Biden, que a veria como o braço direito leal que ele foi para Obama. Aos 66 anos, Bass lidera o grupo de congressistas negros que redigiu um projeto de reforma da polícia com o nome de George Floyd. Após chegar à Câmara baixa, em 2011, essa ex-assistente médica havia sido eleita, sete anos antes, para a Assembleia da Califórnia, da qual se tornou, em 2008, a primeira presidente afro-americana. Mas, suas posições claramente marcadas à esquerda poderiam motivar ataques republicanos. Os eleitores de origem cubana, chave para vencer na Flórida, poderiam ficar muito insatisfeitos com os comentários de pesar que fez, em 2016, após a morte de Fidel Castro.

Elizabeth Warren

Senadora progressista de Massachusetts, ela chegou a ser considerada favorita nas primárias democratas, antes de cair nas pesquisas e depois desistir da disputa no começo de março. Em vez de declarar apoio a Bernie Sanders, o outro pré-candidato tão à esquerda quanto ela, decidiu apoiar Biden. Com Warren, feroz crítica a Wall Street, Biden poderia atrair os eleitores mais à esquerda, mas, também, os afro-americanos, entre os quais obteve melhores pontuações nas pesquisas em comparação com Kamala Harris. A senadora, de 71 anos, porém, teria dificuldades em representar a próxima geração. E seu programa poderia assustar os moderados e dar argumentos para a campanha de Trump, que descreve Biden como um “fantoche da esquerda radical”. Além disso, se deixar o Senado, os democratas perderão um posto crucial.

Tammy Duckworth

Aos 52 anos, a senadora Tammy Duckworth  é uma ex-militar de origem asiática. Veterana de guerra, ela perdeu as duas pernas no Iraque. Nascida em Bangcoc, circula de cadeira de rodas pelos corredores do Congresso, em Washington, onde representa o Illinois, um estado industrial que a elegeu pela primeira vez para a Câmara de Representantes de 2013 a 2017, e depois ao Senado. Filha de um militar americano e uma tailandesa, alistou-se no Exército e nos Marines, antes de ser ferida no Iraque em 2004, quando o helicóptero que copilotava foi abatido por insurgentes. A ex-militar  ingressou no governo de Barack Obama no poderoso Departamento de Assuntos dos Veteranos. Segundo David Barker, professor da American University, a heroína de guerra, em um país que adora seus veteranos, pode atrair uma parte importante do eleitorado.

Michelle Lujan Grisham

Primeira democrata governadora do Novo México e uma das figuras hispânicas mais proeminentes dos Estados Unidos, ela pode ser a aposta de Biden para ganhar votos da minoria mais importante do país. Advogada, 60 anos, Grisham representou seu estado no Congresso, de 2013 a 2018, onde foi eleita em 2016 para presidir o grupo da bancada hispânica. Sua experiência executiva não se limita ao governo: de 2004 a 2007, foi secretária de Saúde estadual. Muitos especulam que, se não for escolhida a colega de chapa de Biden, poderá chefiar o Departamento de Saúde de um governo democrata. Descendente de uma família de destacados juristas e políticos do Novo México, tem sido uma dura crítica de Trump. “Precisamos de um líder que seja respeitado, amável, justo e ético”, disse, recentemente, sobre Biden, a quem considera seu mentor.