O globo, n. 31729, 20/06/2020. Economia, p. 26
Entrevista - Nestor Foster: "O Brasil tem de ficar sempre do lado do Brasil"
20/06/2020
Nestor Forster está há um ano no comando da Embaixada brasileira em Washington e há quatro meses aguarda a aprovação do seu nome, pelo plenário do Senado, para assumir oficialmente a chefia do posto. Ele está em um corpo a corpo no Congresso americano, para minar resistências e corrigir informações que considera incorretas sobre a atuação do presidente Jair Bolsonaro em áreas como meio ambiente e direitos humanos.
Ele enviou uma carta aos deputados democratas que integram o Comitê de Assuntos Tributários, que haviam pedido ao representante de Comércio dos EUA, Robert Lighthizer, para não negociar acordos com o Brasil. Segundo Forster, as conversas vão bem e, até o fim do ano, serão fechados acordos para facilitar o intercâmbio entre os dois países.
Como tem sido esse corpo a corpo para defender a imagem do Brasil nos EUA?
É trabalho do diplomata corrigir percepções equivocadas que existem sobre o Brasil. Acredito que temos a obrigação de estabelecer os fatos e desfazer percepções equivocadas.
A Amazônia é sempre mencionada nas críticas ao governo brasileiro...
Dizem que o governo Bolsonaro está destruindo a Amazônia. Isso é completamente falso. Essa mobilização inédita da GLO (Garantia da Lei e da Ordem, para evitar desmatamento e combater focos de incêndio),com a mobilização de tropas do Exército e 2.500 bombeiros, no ano passado, e agora a criação do Conselho Nacional da Amazônia Legal mostram que existe uma preocupação muito grande para resolvermos esse problema. A discussão tem que ser feita em cima de políticas públicas, de dados objetivos.
O presidente é acusado de, na Amazônia, dar mais importância ao aspecto econômico do que ao meio ambiente.
Um apercepção equivocada. Se existe Amazônia, o mérito é do povo do Brasil, que tem preservado 84% da floresta. Nenhum país pode falar isso. O que o governo Bolsonaro tem enfatizado é que a Amazônia é um local onde moram 25 milhões de brasileiros que têm os índices de desenvolvimento humano mais baixos do país. O presidente quer trazer o famoso desenvolvimento econômico sustentável. Não tem que pensar só no meio ambiente sem sustentabilidade. Tem que pensar em oportunidade econômica, emprego e possibilidade de trazer mais oportunidades para os brasileiros lá, que não podem ser esquecidos só porque os estrangeiro sacham a floresta bonita.
O corpo a corpo tem dado resultado?
Acho que tem sim, tanto com relação a imprensa, jornais, rádio, televisão etc., mas também junto a parlamentares e lideranças políticas dos dois lados, tanto republicanos como democratas. Converso com todos, procuro esclarecer da melhor forma as dúvidas sobre o Brasil, sempre nessa linha de desfazer percepções equivocadas, baseadas em notícias exageradas.
Nos EUA, de onde vem a maior resistência a acordos com o Brasil?
Não vejo que haja um movimento contrário ao Brasil. Há preocupações com questões, com temas, e essas preocupações são até certo ponto difusas. No Congresso, recentemente, houve a carta dos parlamentares da comissão da Câmara, identificando algumas áreas de preocupação para eles. Nosso papel é estabelecer um diálogo com esses parlamentares a respeito da real situação do Brasil. Em qualquer sociedade democrática haverá sempre crítica. Isso não é um problema. O problema é quando a percepção é equivocada, baseada em fantasias, imaginação, e não nos fatos.
O representante de Comércio nos EUA disse que não existe negociação de um acordo de livre comércio com o Brasil.
O que ele falou é perfeito. Para negociar um acordo de livre comércio, é preciso autorização prévia do Congresso americano. Um acordo de livre comércio só pode ser negociado depois de uma notificação formal ao
Congresso, 60 dias antes de iniciar a negociação. Mas isso não quer dizer que a possibilidade do acordo mais adiante esteja fora do horizonte dos dois países.
O que tem sido feito?
Estamos preparando o terreno, caminhando na direção de uma mais profunda relação econômico-comercial entre os dois países, negociando acordos pontuais na área de facilitação de comércio, comércio eletrônico, boas práticas regulatórias. Temos um programa chamado operador econômico autorizado (reconhecimento das operações de comércio exterior pelas aduanas dos dois países), programado para funcionar no início do próximo ano. São medidas econômicas que não mexem com tarifas, mas que reduzem enormemente os custos de fazer operações de comércio exterior entre o Brasil e os EUA.
O que pode ser fechado até o Fim deste ano?
O que está mais avançado é a facilitação de negócios, que terá impacto para quem trabalha no comércio bilateral. O comércio eletrônico também está andando.
Na rivalidade entre EUA e China, o Brasil tem sempre de estar ao lado dos EUA? A China também não é um parceiro importante?
O Brasil tem sempre de ficar do lado do Brasil. Nós estamos aqui para defender o interesse nacional brasileiro. O Brasil se beneficiou transitoriamente dessa rivalidade, mas isso não é do interesse do Brasil. O agronegócio brasileiro não precisa de uma guerra comercial entre EUA e China para ter acesso ao mercado chinês. A China é o primeiro parceiro comercial. Compra alimentos e matérias-primas. Os EUA são o número dois e compram mais industrializados. Há importantes investimentos da China no Brasil.