Título: Pedestre: o lado mais frágil das ruas
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 25/01/2013, Brasil, p. 7
Na semana em que o Código Brasileiro completou 15 anos de vigência, levantamento mostra que o número de mortos em atropelamentos supera o de motociclistas. Especialistas criticam falta de infraestrutura, de campanhas de educação e de punição
De cada 10 mortos em acidentes de trânsito nas capitais brasileiras, três são pedestres. O número de óbitos das vítimas de atropelamentos supera até o de motociclistas, que correspondem a 23% do total de vidas perdidas nessas cidades. No resto do país, a matança nas estradas se repete. Enquanto o índice de mortes em desastres envolvendo automóveis sofreu ligeira queda — de 2,6 para 2,4 por 10 mil carros, entre 2000 e 2010 —, o de motos saltou de 6,9 para 7,8 no mesmo período. Em números absolutos, 2010 fechou com 42.844 mortes no trânsito, marcando um triste recorde na última década.
Os dados divulgados ontem pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), com base no Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde, que tem 2010 como ano mais atualizado, mostrou que a violência no trânsito cresce proporcionalmente ou até mais que a frota, hoje da ordem de 74 milhões de veículos. O levantamento foi lançado exatamente na semana em que o Código Brasileiro de Trânsito completa 15 anos de vigência. Para o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, os dados tabulados mostram que, apesar do aparato legislativo, os acidentes e as mortes só crescem ou, na melhor das hipóteses, mantêm-se estáveis. “De que adianta termos um marco regulatório bonito se ele não corresponde à realidade?”
De acordo com Ziulkoski, parte dos problemas para garantir o cumprimento da lei está nas dificuldades dos governos, sobretudo os municipais, em relação à pessoal e estrutura. “Ao fazer o Código, o legislador tirou diversas obrigações dos estados, como controle, sinalização e fiscalização, passando-as para as prefeituras. Mas os recursos oriundos das multas continuaram sendo divididos exatamente da mesma forma. Então, o que ocorre hoje é que muito prefeito não tem nem dinheiro para pagar salário dos profissionais de trânsito, não tem como garantir uma infraestrutura, muito menos campanhas de educação”, critica o presidente da CNM.
Para José Leles de Souza, doutor em engenharia de transporte pela Universidade de São Paulo, a consequência da dificuldade dos governos é a impunidade. “Se você bebe, sobe uma calçada e atropela quatro pessoas, vai demorar dois meses para receber a multa. Um ano ou mais para responder ao processo administrativo e, talvez, em dois ou três anos receba uma punição. O código já falava na questão do álcool, por exemplo. Depois, veio uma lei fixando multa e perda de habilitação, agora outra lei aumentando a multa. Mas o problema não é o tamanho da multa, e, sim, as pessoas saberem que serão punidas e de forma rápida.”
Desinformação Além da punição, o especialista ressalta a importância das campanhas educativas e de uma mudança de cultura no que diz respeito ao carro. “Aumento de frota não é relação direta de causa das mortes no trânsito, embora haja uma probabilidade maior de que acidentes aconteçam. Serve apenas de referência, porque não sabemos os motivos exatos dos acidentes. Sabemos, entretanto, que o crescimento da frota não acompanha um processo educativo”, afirma Souza. Como o automóvel é vendido como status, e não como meio de locomoção, há muita desinformação. “Não são poucos os motoristas que desconhecem itens de segurança, não entendem avisos do painel de falta de óleo ou defeito mecânico, e que nem conseguem achar o triângulo quando precisam”, lamenta.
A desinformação, porém, não atinge apenas os condutores. Na avaliação de Souza, faltam campanhas que eduquem o pedestre, ator mais frágil do tráfego viário, especialmente diante de uma infraestrutura inadequada nas cidades brasileiras. Belém registra o maior índice de mortalidade — 80% dos mortos em 2010 no trânsito eram pessoas que transitavam a pé pelas ruas. Em segundo lugar, vem o Rio de Janeiro, com 51%, seguido de Fortaleza, onde 43% das vítimas eram pedestres. O Distrito Federal tem índice de 31%, abaixo da média nacional, de 35%. Na capital federal, as vítimas preferenciais são ocupantes de automóveis (34%) e motociclistas (22%).
Em 2010, dado mais atual de mortalidade, o DF registrou 8,9 mortos por 10 mil motos — o índice é superior à média brasileira, de 6,6. O Nordeste tem a situação mais alarmante, abrangendo os cincos estados mais violentos para os motociclistas do país. Em primeiro lugar, aparece Sergipe, com 17,2 mortes por 10 mil motos em 2010, seguido por Piauí (16), Maranhão (10,3), Pernambuco (10) e Rio Grande do Norte (9,4). Em média, 29 pessoas morreram por dia no Brasil em acidentes de motos.