Correio braziliense, n. 20893, 06/08/2020. Negócios, p. 14

 

Juros em nova mínima

Vera Batista 

06/08/2020

 

 

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu, por unanimidade, reduzir a taxa básica de juros (Selic) de 2,25% para 2% ao ano, o menor percentual da série histórica, iniciada em 1999. A autoridade monetária, nesse nono corte consecutivo, levou em consideração a retração econômica global causada pela pandemia da covid-19, a maior “desde a Grande Depressão”, e, apesar de alguns sinais de retomada da atividade, assinalou que “o ambiente para as economias emergentes segue desafiador”. A decisão veio dentro das expectativas dos analistas do mercado financeiro.

“Os setores mais diretamente afetados pelo distanciamento social permanecem deprimidos, apesar da recomposição da renda gerada pelos programas de governo. Prospectivamente, a incerteza sobre o ritmo de crescimento da economia permanece acima da usual, sobretudo para o período a partir do final deste ano, concomitantemente ao esperado arrefecimento dos efeitos dos auxílios emergenciais”, destacou o Copom, em nota. O Banco Central fixa a Selic com base no sistema de metas de inflação. Em 2020, a meta central é de 4%, com a taxa podendo oscilar entre 2,5% e 5,5%. Para 2021, a meta central é de 3,75%, com margem de tolerância de 2,25% a 5,25%.

Ao apontar o cumprimento da meta, o Copom ressaltou que, por um lado, o nível de ociosidade da economia pode produzir trajetória de inflação abaixo do esperado. “Esse risco se intensifica caso uma reversão mais lenta dos efeitos da pandemia prolongue o ambiente de elevada incerteza e de aumento da poupança precaucional.” Por outro lado, políticas fiscais de resposta à pandemia que piorem a trajetória fiscal do país de forma prolongada, ou frustrações em relação à continuidade das reformas, podem elevar os prêmios de risco”, admitiu o colegiado.

Além disso, os diversos programas de estímulo creditício e de recomposição de renda, no combate à pandemia, podem fazer com que “a redução da demanda agregada seja menor do que a estimada, adicionando uma assimetria ao balanço de riscos”. Esse conjunto de fatores implica, potencialmente, segundo o BC, uma trajetória para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária.

Próximos passos

“O Copom avalia que perseverar no processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para permitir a recuperação sustentável da economia. O Comitê ressalta, ainda, que questionamentos sobre a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia”, diz a nota.

Assim, eventuais ajustes futuros no atual grau de estímulo “ocorreriam com gradualismo adicional e dependerão da percepção sobre a trajetória fiscal, assim como de novas informações que alterem a atual avaliação do Copom sobre a inflação prospectiva”, aponta o documento.

Para o economista Vitor Vidal, da XP Investimentos, era previsível que o Copom “fecharia a porta esse ano, mas com um possível aquecimento da atividade econômica, em 2021, com possível subida para 3%”.  Ele destacou que, como a prévia de inflação foi mais baixa que o esperado no IPCA-15 de julho, “a queda dos juros proporciona crédito mais barato e grande estímulo para a economia”.

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Aumento de gastos é fator de risco

06/08/2020

 

 

O mercado avalia que o aumento de gastos necessário ao combate à pandemia do novo coronavírus é um fator que complica a administração da política de juros, porque traz incerteza sobre os níveis de inflação. Para Vitor Vidal, da XP Investimentos, o governo terá que fazer o dever de casa e abandonar a intenção de expandir despesas, como, por exemplo, manobras para fugir do teto de gastos para suprir investimentos em infraestrutura, “ou mesmo criar o projeto Renda Brasil sem apontar de onde sairão os recursos”.

Arnaldo Lima, diretor de Estratégia Públicas da MAG Seguros e ex-secretário-adjunto de Política Econômica no extinto Ministério da Fazenda e ex-assessor de Assuntos Fiscais e Sociais do antigo Ministério do Planejamento, destaca que BC está no rumo certo ao agir com cautela na redução da taxa de juros, este ano. “O cenário é desafiador. O nível de risco faz com que a inflação suba”, afirma. Ele destaca que ainda pairam no ar incertezas pela aprovação da reforma tributária. No cenário internacional, a reeleição do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, apesar das tensões com a China, é vista com bons olhos no mercado.