Correio braziliense, n. 20893, 06/08/2020. Cidades, p. 21

 

UnB avança na luta por vacina contra a covid-19

Alan Rios 

06/08/2020

 

 

Pesquisadores e médicos do Distrito Federal deram um importante passo na luta contra o novo coronavírus. Ontem, cinco pessoas receberam a primeira dose de uma possível vacina contra a covid-19, em fase de testes pela Universidade de Brasília (UnB), no Hospital Universitário de Brasília (HUB). Mais cinco participam hoje. Os voluntários são profissionais da saúde, que atendem a pacientes com confirmação ou suspeita de infecção. A fase 3 é considerada promissora pela equipe que coordena o projeto, pois os resultados da etapa 2 mostraram a produção de anticorpos em 90% dos participantes. O projeto é coordenado pelo Instituto Butantan, de São Paulo, e a imunização é desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac Biotech.

Os voluntários saíram, ontem, do ambulatório sabendo que podem fazer parte da história. “Sinto-me realizado como profissional da saúde, porque é angustiante estar na ponta da luta contra a doença sem saber como combater isso. Hoje, participei de uma experiência única”, disse Gabriel Ravazzi, 31 anos, o primeiro a ser vacinado. Gabriel é médico e trabalha na unidade de terapia intensiva (UTI) do HUB. Ele estava no hospital até o fim da noite de terça-feira, dormiu algumas horas, participou do ensaio na quarta-feira pela manhã e voltou para o trabalho. “É um esforço pelo sentimento de querer ajudar, porque nós estamos vendo o sofrimento dos pacientes, que são pessoas jovens, idosas, com e sem doenças. Então, quis participar dessa experiência para que a gente consiga dar um passo importante para mudar isso”, explicou.

O médico entende os riscos de efeitos colaterais, mas está tranquilo em relação a isso. “Lembro do meu penúltimo plantão, que foi bem exaustivo física e psicologicamente. Atendemos a pacientes graves e, naquele dia, perdemos três pessoas. É um sentimento ruim, de quem passa noites em claro tentando ajudar, lutando, mas acaba perdendo para o vírus. Ou seja, é um sentimento de impotência. Poder contribuir com a ciência e buscar uma solução é algo que me faz sentir realizado”, ressaltou o médico.

Gabriel chegou ao HUB às 9h e passou por uma bateria de exames sanguíneos, cardiológicos e outros, além de ser submetido à vacina. Apenas voluntários da área da saúde, que trabalham com pacientes com covid-19 e não tenham sido contaminados pelo vírus, podem se voluntariar. O médico retorna aos ensaios após 14 dias, para a segunda dose. Metade dos participantes receberá placebo e metade, o produto vacinal. No total, o estudo testará 850 pessoas, com meta de receber entre 20 a 40 voluntários por dia a partir da próxima semana.

Para o chefe do setor de pesquisa e inovação do HUB, Fernando Araújo, candidatar-se é uma atitude de empatia dos profissionais de saúde. “A participação dos voluntários é muito importante, porque eles são as pessoas que vão contribuir para que tudo aconteça. Se disponibilizar, tomar uma vacina ainda em fase de testes é uma disposição de ajudar a todos, pensar no próximo, pensar não só em si mesmos. Isso é algo bonito e gratificante”, avaliou Fernando.

Ele explica que há uma expectativa grande para divulgação de quando a vacina pode ser disponibilizada, após a fase de testes, mas que ainda não se pode afirmar mês ou ano específicos. “Temos essa esperança de sucesso, mas tudo depende de uma série de fatores. A qualquer momento, o comitê pode apontar do que ela está sendo tão mais efetiva que o placebo, que nem precisemos mais continuar”, afirmou (leia Cinco perguntas para).

Ansiedade

Quem também comentou sobre a ansiedade pelos resultados foi Gustavo Romero, coordenador do estudo e pesquisador do Núcleo de Medicina Tropical da UnB. “É prematuro fazer previsões sobre a disponibilidade da vacina para a população. Isso depende, também, de outras etapas, que não estão na alçada do HUB e da UnB. O que podemos dizer é que, sem os resultados do estudo, é cedo para estimar um prazo de quando o produto ficará pronto. O compromisso que assumimos é de fazer o trabalho o mais rápido possível”, explicou Gustavo.

A segunda voluntária a ser atendida pela equipe foi a enfermeira Mariana Rodrigues da Silva, 29. “Estou me sentindo bem, só com uma dor no braço da injeção, o que é normal em vacinações. Agora, vou detalhar os próximos dias em um diário de bordo entregue pelos médicos, relatando, nele, o que sinto, e volto após duas semanas para a segunda dose”, detalhou. Mariana pediu mais conscientização da população, até que se tenha uma medicação comprovada cientificamente contra o coronavírus. “A gente espera que as pessoas percebam a importância do isolamento. Porque todo mundo, hoje, tem um conhecido, um amigo ou até familiar que morreu por causa da doença. Eu mesmo perdi amigos para a covid-19”, lembrou Mariana.

Os voluntários da tarde começaram a deixar o HUB no começo da noite. Larissa Bragança, 33, é médica na mesma unidade de saúde e sugeriu mais investimentos na ciência. “Estamos em um momento em que é preciso valorizar mais profissionais de saúde, pesquisadores e pesquisas. Estou na linha de frente do combate e nunca tinha visto algo assim. É urgente conseguir uma vacina”, alertou. Durante atuação na UTI, ela sente-se impotente diante do perigo do coronavírus. “Vem marcando ver pacientes que morrem e a família não pode nem se despedir. Nas UTIs, a taxa de letalidade é alta, está, em média, em 40%. Então, o que a gente puder fazer para mudar isso, vai fazer”, reforçou.