Título: Ameaça aos EUA
Autor: Walker, Gabriela
Fonte: Correio Braziliense, 25/01/2013, Mundo, p. 16

Regime de Kim Jong-un promete novo teste nuclear e cita Washington como principal inimigo. Especialista vê tentativa de autoafirmação

Em clara provocação à comunidade internacional, a Coreia do Norte tornou pública sua intenção de realizar um novo teste nuclear e de lançar foguetes de longo alcance. Segundo o regime de Kim Jong-un, as iniciativas farão parte de uma nova etapa de confrontação com os Estados Unidos. Especialistas suspeitam que o país comunista esteja pronto para testar armas fabricadas com urânio enriquecido. “As divergências com os Estados Unidos são resolvidas pela força, não com palavras”, ameaçou a Comissão de Defesa Nacional Norte-Coreana, que classificou os EUA como seu principal inimigo, por meio de um comunicado divulgado pela agência oficial KCNA. “Não escondemos que lançaremos uma série de satélites e foguetes de longo alcance e realizaremos testes nucleares de nível superior na próxima fase de nossa luta centenária contra os Estados Unidos.”

O secretário de Defesa norte-americana, Leon Panetta, respondeu com cautela, ao afirmar que Washington ficou “muito preocupado” com a posição norte-coreana. Horas antes, a Casa Branca havia alertado que a ameaça reforçará o isolamento do regime.

A retórica belicista de Pyongyang seria uma retaliação à decisão do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Na terça-feira, o organismo aprovou, por unanimidade, a ampliação das sanções já existentes contra a Coreia, com base no lançamento do foguete Unha-3, em 12 de dezembro passado. Ao considerar o anúncio coreano “desnecessariamente provocativo”, Jay Carney, porta-voz da Casa Branca, alertou Pyongyang sobre as pretensões do regime. “Um teste seria uma violação significativa das resoluções do Conselho de Segurança”, defendeu. Na sala de conferências do Pentágono, Panetta acrescentou que avanços norte-coreanos “não fariam nada a não ser prejudicar a esperança por paz”.

Na manhã de ontem, o enviado especial dos EUA à Coreia do Norte, Glyn Davies, já havia se pronunciado. Ele pediu por meio de nota que Jong-Un desista dos testes. “Esperamos que não façam, pedimos para que não façam. Será um erro”, reforçou ele. Sobre a posição política de Jong-Un, no comando do Estado desde dezembro de 2011, quando seu pai e antigo líder da Coreia do Norte faleceu, o embaixador foi direto. “Julgamos o país por suas ações. Nós, certamente, não vimos uma mudança de comportamento”, afirmou Glyn Davies.

Barganha

Professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Alcides Vaz explica que um plano de ataque ao Ocidente é uma possibilidade remota e que a provocação coreana deve ser entendida como uma tentativa de intimidação e de autoafirmação. “Esse tipo de retórica é muito própria de governos autoritários e de regimes totalitários”, observa. Por outro lado, o desenvolvimento de armas atômicas mudaria a situação da Coreia, que garantiria uma espécie de barganha política com grandes atores internacionais. “Possuir um armamento nuclear ofereceria à Coreia do Norte um menor desequilíbrio que, de outra forma, ela não conseguiria”, concluiu Vaz.

Com o derradeiro lançamento do foguete de longo alcance, a Coreia do Norte quebrou as sanções que a impedem de realizar qualquer tipo de teste militar — o que levou ao reforço das resoluções impostas ao regime de Kim Jong-un. “Há uma grande discussão no ambiente internacional sobre a eficácia desse tipo de resposta que, na Coreia do Norte, não parece que será alcançada”, analisou Vaz. O governo de Pyongyang se revoltou com a decisão da ONU e ressaltou, ontem, que o foguete tinha a missão de colocar um satélite em órbita.

Entre 2006 e 2009, a Coreia do Norte realizou dois testes nucleares. Até o momento, no entanto, não teria conseguido fabricar uma bomba atômica. O país emprega um dos maiores investimentos do mundo em armamento e em defesa e, ao mesmo tempo, possui uma indústria e uma agricultura ultrapassadas. “Na Coreia do Norte, há pessoas que morrem de fome para o país continuar produzindo suas armas. Na verdade, o único produto que a nação tem para exportar e vender é armamento”, analisa Heni Ozi Cukier, professor de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).