Título: Dilma se emociona ao ouvir relatos de desespero
Autor: Mader, Helena
Fonte: Correio Braziliense, 28/01/2013, Política, p. 2-7

Abatida, presidente visita o hospital onde está a maioria dos feridos e o ginásio que abriga os corpos das vítimas

Com a voz embargada, enquanto explicava os motivos de cancelar a agenda internacional e antecipar o retorno de Santiago do Chile para o Brasil, a presidente Dilma Rousseff não conteve o choro. "Quem precisa de mim hoje é o povo brasileiro, e é lá que eu tenho de estar", afirmou, pela manhã. Às 14h, Dilma chegou ao Hospital de Caridade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, para visitar feridos do incêndio na boate Kiss, que deixou pelo menos 231 mortos. Em seguida, a comitiva presidencial foi para o ginásio do Centro Desportivo Municipal, onde ficaram enfileirados os corpos para reconhecimento. Ao conversar com alguns familiares no local e ouvir relatos desesperados, a presidente voltou a se emocionar. Ela decretou luto oficial de três dias.

Antes mesmo de deixar o Chile, Dilma determinou ao primeiro escalão federal que ficasse de plantão para auxiliar o governo do Rio Grande do Sul e a prefeitura de Santa Maria no que fosse necessário. Na cidade, ela evitou falar com a imprensa. Mas, durante todo o tempo, sua expressão era de abatimento e tristeza. Embora seja mineira, Dilma tem uma ligação forte com o Rio Grande do Sul. Antes de integrar o governo Lula, ela viveu as últimas décadas em Porto Alegre, onde ocupou cargos públicos. Na capital gaúcha, moram sua única filha, Paula, e o neto, Gabriel. Por causa da tragédia, a presidente cancelou encontros bilaterais marcados com colegas da Argentina, da Letônia e da Bolívia.

O que Dilma viu nas ruas de Santa Maria foi uma cidade completamente perplexa com a tragédia, que vitimou, sobretudo, jovens estudantes. A dor, o desespero e a desesperança estavam no rosto dos parentes em busca de informações sobre filhos, sobrinhos, irmãos e netos. Fernanda Oliveira, professora de 25 anos, conseguiu escapar do fogo e da fumaça. Ligada a um respirador, a mulher se lembra dos momentos de horror, quando um amigo a empurrou e gritou: "Corre". "A gente não enxergava nada, era uma fumaça preta", disse. De acordo com Fernanda, os seguranças, que em princípio impediram os jovens de sair, logo recuaram da decisão. "Quando viram o que era realmente, começaram a ajudar", conta a professora.

Enquanto as autoridades passaram o dia analisando o que restou da boate, equipes do Instituto Médico Legal controlavam o processo de reconhecimento dos corpos que ficaram lado a lado no ginásio da cidade. Os parentes costumavam entrar em grupos de 10 pessoas para procurar o ente querido. Choro, gritos e desmaios acompanhavam a dor de identificar familiares de pouca idade, com tanta vida ainda pela frente. Enfermeiras e psicólogas identificadas com esparadrapos improvisados colados ao peito tentavam prestar assistência e dar consolo à gente desesperada. Uma mãe perdeu duas filhas. Muitos caixões deixaram Santa Maria ontem com destino a outras cidades, já que grande parte das vítimas era formada por jovens de fora, que estudavam no município gaúcho.

Apuração O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, evitou falar em culpados, mas cobrou agilidade nas investigações sobre as causas do incêndio (leia mais na página 7). Ele decretou sete dias de luto oficial. Cezar Schirmer, prefeito de Santa Maria, decretou luto oficial de 30 dias no município. Em nota, a prefeitura promete contratar imediatamente profissionais da área da saúde, incluindo psicólogos e psiquiatras, para "dar assistência às famílias que tiveram filhos e parentes vitimados".

Em comunicado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ex-primeira-dama Marisa Letícia prestaram solidariedade aos parentes dos mortos e feridos. "O Brasil inteiro está triste e de luto pelas mortes ocorridas no incêndio em Santa Maria. Nesse momento difícil, expressamos nossa solidariedade aos amigos e familiares das vítimas e à toda a população da cidade, mas em especial aos pais e mães, por essas perdas irreparáveis", afirmou o casal, em nota.

"Em uma tragédia como essa, envolvendo jovens, é impossível que cada pai e mãe do país não sintam um forte impacto diante da dor dos pais que não terão seus filhos em casa essa noite", afirmou a ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos, que é gaúcha e esteve em Santa Maria para prestar apoio. Rosário foi acionada pela presidente Dilma logo de manhã para se colocar à disposição do município.