Título: Sequelas afetam 20% das vítimas
Autor: Mader, Helena
Fonte: Correio Braziliense, 29/01/2013, Política, p. 2

Além das consequências físicas, os sobreviventes do incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), terão de lidar com as sequelas psicológicas. O quadro pode evoluir para o transtorno do estresse pós-traumático, uma condição que, de acordo com os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH), afetam até 20% das pessoas que passaram por uma experiência muito negativa, como estupro, guerra, sequestro e acidentes graves. A psicóloga clínica Maraci Mendes de Santana explica que é normal apresentar sintomas como fúria, pesadelos e apatia durante um mês. “A partir daí, já exige uma intervenção”, diz.

Ela conta que os sinais mais característicos são distúrbios do sono, irritabilidade, choro, tristeza, dificuldade para se concentrar, lapsos de memória e fobias. “Muita gente vai passar um bom tempo sem entrar em uma boate ou em um lugar fechado”, acredita. Outro sintoma comum são os flashes. “Às vezes, a pessoa está tentando se distrair e a imagem da tragédia volta, a persegue”, afirma. Enquanto algumas vítimas sofrem desses problemas por um tempo considerado normal, outras vão levá-los para o resto da vida caso não procurem ajuda. De acordo com os NIH, não se conhecem as causas do transtorno. “Fatores psicológicos, genéticos, físicos e sociais estão envolvidos”, diz uma cartilha do órgão.

Maraci Santana acredita que uma intervenção precoce é a melhor opção no caso da tragédia de Santa Maria. “Todos deveriam ser acompanhados por um psicólogo. Por mais que a gente imagine o que eles passaram, só eles sabem como foi sofrido: a luta para sair da boate, ver outros jovens morrendo, se machucando. Desde já, mesmo aqueles que falam ‘estou bem’ deveriam receber ajuda”, defende. Como foi um acidente coletivo, a psicóloga afirma que uma abordagem mais eficaz é a terapia em grupo. “É preciso se unir e discutir esse assunto até ele se esgotar. Muita gente acha que é melhor esquecer, deixar para lá. Mas não é”, garante.

Quando a terapia é insuficiente, Santana diz que algumas vítimas precisam ser acompanhadas por psiquiatras, para tomar remédios como ansiolíticos e antidepressivos. “Alguns psicólogos acham que o medicamento mascara a dor, mas acho que, se tem o recurso, deve lançar mão”, opina. Os familiares das vítimas que morreram no acidente também precisarão receber auxílio psicológico. “O mais cruel é que foram jovens. A morte de um jovem é mais difícil porque os sonhos que os pais tinham para aquela pessoa morrem junto”, afirma Santana. Ontem, o Ministério da Saúde anunciou que uma força-tarefa das três esferas foi criada para prestar assistência psicológica para as famílias, inclusive as que moram em outras cidades.