Título: Para não ficar só no discurso
Autor: Mader, Helena
Fonte: Correio Braziliense, 29/01/2013, Política, p. 2

Vestida em tons sóbrios e emocionada, a presidente Dilma Rousseff aproveitou a abertura do Encontro Nacional de Prefeitos, ontem, para cobrar responsabilidade e esforço mútuo para evitar novas tragédias. Dilma pediu um minuto de silêncio e falou sobre o que viu no domingo, em visita a Santa Maria. “A dor que eu presenciei é indescritível”, disse, antes de continuar: “Falo dessa dor para lembrar a responsabilidade que todos nós do Poder Executivo temos com a nossa população. Diante dessa tragédia, temos o dever de assumir o compromisso de assegurar que ela jamais se repetirá”, disse. A fala rendeu palmas à presidente. O desejo de Dilma é o mesmo de cada cidadão. Mas ela e os prefeitos que a aplaudiram sabem que não é bem assim.

“Todos os prefeitos deveriam fazer um levantamento das condições de segurança das suas casas de espetáculo e casa noturnas porque averiguar as condições de segurança é uma responsabilidade das prefeituras e certamente não é só essa que se encontra assim”, disse a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, logo após o encontro dos prefeitos, em referência à boate Kiss. Em cada estado, nas grandes ou nas pequenas cidades, dezenas de casas noturnas funcionam sem condições adequadas de segurança. “O grau de risco de uma boate ou de um cinema é muito maior que o de uma residência”, disse o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal, Alberto de Faria.

“Algumas casas são abertas com autorização da prefeitura e nem sempre os bombeiros ficam sabendo, pois não cobram o nosso plano de segurança. Deveria haver uma conversa mais estreita entre os órgãos públicos”, afirma o coronel André Luiz Gerken, do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, revelando que as falhas começam no ponto mais básico, na informação e na cooperação entre as instituições que fiscalizam esse tipo de estabelecimento. “É preciso ter uma elaboração cuidadosa de cada projeto, além de uma avaliação acurada. Um ato inseguro representa 100% de risco de tragédia”, complementou Alberto de Faria, mostrando que evitar a repetição de tragédias como a de Santa Maria não é tão simples como a presidente gostaria.

Convocação Ainda durante o encontro dos prefeitos, Dilma lamentou o fato de os mortos na tragédia serem tão jovens. “Eles tinham sonhos. Podiam ser nossos futuros prefeitos ou prefeitas, podiam ser nossos futuros presidentes ou presidentas. Podiam ser futuros cientistas, psicólogos, agrônomos ou juízes. Podiam ser os filhos ou as filhas, os netos ou as netas de cada um de nós. Mas eles infelizmente não tiveram a oportunidade de cumprir seus sonhos, os sonhos de cada mãe e de cada pai”, disse.

No domingo, após cancelar a agenda no Chile, onde participava do encontro da Cúpula dos Estados Latino- Americanos e Caribenhos, Dilma ouviu fragmentos dos sonhos daqueles jovens. Poucas horas após o incêndio, a presidente conversou com familiares das vítimas no ginásio onde os corpos eram identificados. Visitou sobreviventes nos hospitais. Compartilhou a dor de parentes e amigos, ouviu pedaços de histórias irremediavelmente interrompidas. Voltou a Brasília no fim da tarde do domingo.

Antes de ir ao encontro dos prefeitos, a presidente convocou uma reunião de última hora com o prefeito de Porto Alegre, José Fortunatti (PDT), para onde os sobreviventes estão sendo encaminhados. Até agora, são 44 internados na capital gaúcha. Outros sete estão em procedimentos para serem transferidos. Os pacientes em situações mais graves estão sendo atendidos nos hospitais Pronto Socorro e Consolação, referências em tratamento de queimados. De acordo com o prefeito, a cidade tem estrutura para receber mais 150. Ao lado dos hospitais foram formados centros de atenção com psicólogos, enfermeiros e paramédicos, que dão suporte aos parentes das vítimas enquanto elas recebem tratamento.

Depois do encontro com Dilma, o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, se comprometeu a intensificar a fiscalização nas casas noturnas da cidade. Segundo ele, em agosto do ano passado, 32 estabelecimentos foram fechados e, na época, muita gente reclamou. O prefeito da capital gaúcha garante que os fiscais voltarão às casas noturnas interditadas anteriormente e também visitarão outros locais ainda não vistoriados.

“Foi um impacto muito forte, acho que para todo o Brasil e para o mundo inteiro. Realmente é difícil a gente se recuperar das cenas, da imagem dos jovens ali sem vida”, comentou a ministra Maria do Rosário. Ontem, na abertura do encontro dos prefeitos, Dilma anunciou R$ 66,8 bilhões de recursos novos em investimentos nas prefeituras nas áreas de saneamento básico, pavimentação e mobilidade urbana, por exemplo.