Título: Quatro pessoas são presas
Autor: Mader, Helena
Fonte: Correio Braziliense, 29/01/2013, Política, p. 2

Cruzadas as informações dos mais de 20 depoimentos já colhidos e da perícia realizada ontem na boate Kiss, a Polícia Civil do Rio Grande do Sul prendeu quatro suspeitos de contribuírem, de forma ativa ou passiva, para o incêndio que vitimou 231 pessoas. Estão atrás das grades os sócios da casa noturna palco da tragédia, Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffman; o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos; e o produtor do grupo, Luciano Augusto Bonilha Leão. Os quatro foram detidos temporariamente, por cinco dias, para evitar “interferência nas investigações”. A prisão foi motivada pelo suposto desaparecimento dos equipamentos que teriam registrado imagens do interior da boate no momento do tumulto. O delegado Marcelo Arigony, que trabalha no caso, disse que os depoimentos dos presos não acrescentaram “nada” ao que a polícia já sabia.

Nenhum dos presos assumiu ter utilizado o artefato que supostamente provocou o incêndio. “O que temos de concreto é que o sinalizador foi usado e que as portas não deram vazão à saída das pessoas”, disse o delegado, descartando fazer novos pedidos de prisão. De acordo com as apurações, existem dois tipos de dispositivos — um deles poderia ser usado em ambiente fechado. Será preciso, a partir de agora, averiguar qual modelo foi utilizado pela banda que se apresentava. Sobre as imagens gravadas dentro da boate, que poderiam ajudar a responder a muitas das perguntas ainda em aberto sobre as causas da tragédia, a polícia chegou a cumprir um pedido de busca e apreensão na residência de um dos sócios da boate, mas não encontrou nenhum equipamento. Ontem, a Justiça do Rio Grande do Sul determinou o bloqueio de todos os bens dos empresários. A medida visa garantir “futuras indenizações”.

Imagens A casa noturna informou oficialmente que o circuito interno de vídeo está quebrado há três meses e foi encaminhado para manutenção. Mesmo assim, a polícia manteve a prisão dos quatro suspeitos. Sandro Meinerz, um dos delegados responsáveis pelo caso, ressaltou se tratar de uma detenção temporária, não significando que os quatro sejam culpados. Para a promotora Waleska Flores Agostini, que acompanha o caso, é preciso verificar a informação surgida ao longo dos depoimentos de que os donos da boate ordenaram a destruição das imagens. Ela afirma que ainda é prematuro fazer qualquer afirmação sobre culpados. Mas destaca que eles existem. “Houve homicídio. Vamos verificar se doloso, talvez assumindo o risco de matar, ou culposo, por negligência ou omissão”, destacou Waleska.

Elissandro estava internado em um hospital de Cruz Alta, a 132km de Santa Maria, quando foi detido. Até o início da noite de ontem, ele permanecia sob a custódia da Justiça. O vocalista da banda, Marcelo de Jesus, participava do velório do músico que morreu — Danilo Brauner Jaques — no momento de sua prisão na cidade de Mata, a 80km do município onde houve a tragédia. Eles manifestaram medo de linchamento por parte da população que sofre com as centenas de mortos e feridos.

SEM RESPOSTAS Confira os sete pontos que os investigadores da tragédia em Santa Maria ainda precisam esclarecer

Origem do fogo » Integrantes da banda informaram em depoimento à Polícia Civil que o incêndio teria começado devido a um curto-circuito nos fios que estavam no teto, e não pelo sinalizador usado no show. Eles alegam que já estavam tocando outra música quando o fogo surgiu. Entretanto, outras testemunhas, inclusive um dos sócios da boate, insistem no artefato conhecido por “sputnik” como causador da tragédia.

Lotação da boate » O número de pessoas que ocupavam a boate Kiss naquela noite, no momento da tragédia, ainda não está bem esclarecido. É preciso verificar se a quantidade de gente ultrapassou a capacidade permitida da casa noturna. O desrespeito ao limite de público acaba gerando dificuldades de esvaziar locais em situação de incêndio, desabamento ou outros distúrbios.

Treinamento de funcionários » Os primeiros relatos apontam que seguranças da boate, por desconhecer o que estava ocorrendo, seguraram por alguns minutos os clientes, pensando se tratar de um calote coletivo. É preciso verificar o quanto tal postura dificultou a saída dos jovens. Além disso, a polícia avaliará se havia funcionários treinados na casa noturna para lidar com incêndios.

Imagens internas » Nos depoimentos colhidos, surgiu a hipótese de que havia um circuito interno de vídeo na boate, mas que teria sido retirado a mando dos donos depois da tragédia. A polícia não encontrou nenhum equipamento, tendo sido informada, em seguida, pelos sócios, que o aparelho estava em manutenção há cerca de três meses. As autoridades verificarão a veracidade da afirmação.

Saídas e sinais luminosos » Tem que ficar esclarecido se a casa noturna, pelo seu porte e características, deveria ter uma saída alternativa. Existia apenas um local para entrada e saída. Pior: pelos relatos das testemunhas, não havia qualquer sinal luminoso conduzindo o público à saída.

Revestimento do teto » A espuma que revestia o teto parece ser, pela velocidade com que o fogo se espalhou e a fumaça produzida, altamente inflamável. É necessário checar se o material poderia ser usado para revestimento de uma casa noturna com estrutura para apresentações musicais, que demandam rede elétrica potente.

Extintores defeituosos » Relatos de integrantes da banda informam que nem o vocalista nem seguranças da boate conseguiram acionar um extintor de incêndio assim que o fogo teve início. Não se sabe sobre a validade e o estado de conservação dos extintores. O fato de o Plano de Prevenção e Controle de Incêndios da boate ter vencido em agosto passado pode ter encoberto problemas com os equipamentos de segurança. A casa estava aguardando o trâmite do processo de renovação do documento.