Título: Armadilhas do horror espalhadas pelo Brasil
Autor: Mader, Helena
Fonte: Correio Braziliense, 29/01/2013, Política, p. 2

A única saída para a sobrevivência na boate Kiss era uma pequena porta de cor púrpura, com apenas dois metros de largura. Enquanto o incêndio se alastrava pela casa noturna, o acesso estreito se transformou em um funil. A falta de saídas de emergência é apontada como um dos fatores preponderantes para a tragédia em Santa Maria (RS) na madrugada de domingo. Os problemas identificados no estabelecimento gaúcho, como extintores que não funcionavam e ausência de sinalização, se reproduzem até o extremo norte do país. O caso comove os brasileiros pelo sentimento de inconformismo diante da morte precoce de 231 pessoas. Mas o incêndio fatal também assusta pela incômoda sensação de que o drama poderia bater à porta de boa parte das famílias do país. Nas grandes metrópoles ou em pequenas cidades, casas noturnas funcionam sem alvará e sem atenderem às exigências mais elementares de segurança.

A dor das famílias de Santa Maria pode se repetir em cidades como Brasília, São Paulo, Belo Horizonte, Recife ou Rio de Janeiro, onde bares e clubes aglomeram centenas de pessoas e faturam milhares de reais sem garantir aos frequentadores a certeza de voltar para casa depois da festa. Na área central da capital federal, por exemplo, 80% das boates funcionam sem alvará — e, portanto, sem nenhuma garantia de segurança.

O Correio fez um levantamento da situação das casas noturnas das principais cidades brasileiras para mostrar as estruturas de segurança desses estabelecimentos e desvendar as falhas na atuação das equipes de fiscalização. Os dados revelam que a sequência de irregularidades e negligências que levou à morte de 231 jovens em Santa Maria pode se repetir em outras cidades. A reação de prefeitos diante da tragédia comprova que a segurança das casas noturnas sempre ficou em segundo plano: somente depois do incêndio na boate Kiss é que os gestores de dezenas de municípios decidiram alardear providências para intensificar a fiscalização dos estabelecimentos e cobrar o cumprimento de regras básicas de prevenção de incêndios. A presidente Dilma Rousseff, novamente emocionada, pediu ontem empenho dos prefeitos para que a tragédia “jamais se repita”. Mas a realidade dos municípios mostra que a salvaguarda dos frequentadores ainda depende de mudanças radicais nos procedimentos adotados por autoridades e empresários.

Omissão Assim como no Rio Grande do Sul, a cadeia de responsáveis pelas falhas é grande. Muitas prefeituras pecam por omissão, quando não fiscalizam estabelecimentos que funcionam sem autorização. Também há casos de municípios que concedem alvará para casas noturnas ainda que elas não cumpram os requisitos legais. A sequência de erros passa pela atitude de proprietários de boates, que, na ânsia do lucro, lotam os estabelecimentos muito além da capacidade. Os frequentadores das casas de diversão também fecham os olhos diante de evidentes e graves erros, e muitos até reclamam quando é preciso interditar algum point de diversão. O desafio, depois da tragédia de domingo, é cortar as pontas dessa sucessão de falhas para que os jovens se divirtam sem medo. E para que as famílias brasileiras não percam o sono com o pânico de não verem seus filhos voltarem para casa.