Correio braziliense, n. 20895, 08/08/2020. Ciência & Saúde, p. 14

 

Pandemia pode dobrar mortes por malária

08/08/2020

 

 

Mesmo sem ter relação direta com a doença, o Sars-CoV-2 poderá aumentar mais do que o dobro as mortes por malária na África subsaariana neste ano. Um estudo de modelagem publicado na revista Nature Medicine sugere que, com as atividades de prevenção interrompidas por causa da covid-19, essa parte do continente ficará seriamente afetada por uma enfermidade endêmica que, só no ano passado, matou 405 mil africanos.

A carga da malária na África está fortemente concentrada na região subsaariana, onde os casos da covid-19 também seguem aumentando. Em resposta à pandemia, os países dessa área estão implementando medidas não farmacêuticas para retardar a transmissão do Sars-CoV-2. A distribuição de mosquiteiros inseticidas de longa duração teve um papel importante no controle da malária na África Subsaariana, e muitas nações fazem campanhas de distribuição de rede planejadas para 2020. No entanto, não se sabe como as interrupções dessas campanhas teriam impacto sobre o fardo da malária.

Thomas Churcher e colegas do Imperial College de Londres usaram dados epidemiológicos da covid-19 e modelos de transmissão da malária para estimar o impacto de se interromper as iniciativas de prevenção e outros serviços essenciais de saúde em quatro cenários diferentes de pandemia. Eles descobriram que, se as medidas preventivas da malária fossem suspensas completamente, 2020 poderia registrar mais do que o dobro de casos, em relação a 2019.

Os autores mostraram que, apenas na Nigéria, reduzir o tratamento de casos de malária por seis meses e atrasar a distribuição de mosquiteiros pode resultar em uma média de 81 mil mortes adicionais. Na região subsaariana como um todo, 2020 registrará 206 milhões de casos e 379 mil mortes a mais em comparação ao ano anterior.

Infecções simultâneas

Os autores observam que o gerenciamento desses efeitos negativos é possível. Eles argumentam que as atividades de prevenção da malária — especialmente a distribuição de redes mosquiteiras — devem ser priorizadas, com o acesso aos tratamentos antimaláricos, além do distanciamento social e o uso de outras intervenções não farmacêuticas para prevenir a transmissão do Sars-CoV-2.

“A adesão às diretrizes de distanciamento social permanecerá crítica porque muitas pessoas infectadas com covid-19 também podem abrigar parasitas da malária”, escreveram os autores. “Por exemplo, nossos resultados modelados indicam que, no pico da estação de transmissão da malária em Mali (um exemplo de um país com transmissão sazonal), em indivíduos com idade acima de 15 anos, 30% dos infectados com covid-19 também têm parasitas da malária e, portanto, não podem se isolar se forem diagnosticados com malária como a causa de sua febre”, apontam.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a malária é uma das principais causas de mortes no mundo, com 228 milhões de casos e 405 mil mortes registrados em 2018. A África é o continente mais atingido, e nas Américas a transmissão permanece endêmica em 19 países e territórios — entre eles, o Brasil.