Título: Uma geração no vermelho
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 29/01/2013, Cidade, p. 22

Pesquisas indicam que, de tão endividados, jovens comprometem o equilíbrio financeiro da vida adulta e até da velhice. As facilidades de crédito e o hábito de gastar além do salário estão entre as razões do problema

Para a universitária Maíra Lacerda, fim do mês é período difícil. A jovem de 21 anos que estagia e ganha um dinheiro complementar do pai não consegue administrar bem os seus gastos. “Quando eu comecei a estagiar, tinha mais ou menos 18 anos. Nessa época, tive o meu primeiro cartão de crédito, mas nunca consegui me programar para economizar e fazer algo maior. Sempre acabo pedindo para meu pai pagar”, diz. A estudante conta que gasta todo o dinheiro que recebe e divide o valor das compras em várias parcelas. “Se eu analisar toda a minha renda, vejo que gasto com pouca coisa útil. Pago minhas saídas com amigas e o que consumimos. No ano que vem, vou viajar e, a partir do próximo mês, quero juntar dinheiro para fazer isso”, planeja.

Maíra faz parte de um grupo considerável de jovens com problemas financeiros, adquiridos muitas vezes antes mesmo de eles concluírem o curso universitário ou darem início à vida profissional. “Os consumidores mais jovens pegam mais dinheiro emprestado e pagam em tarifas mais baixas”, considera a pesquisadora Lucia Dunn, professora do Departamento de Economia da Universidade Ohio State, dos Estados Unidos, que estudou o hábito perigoso dos jovens. As descobertas feitas por Dunn e Sarah Jiang, também docente da universidade, sugerem que, se mantiverem o descontrole, as gerações mais novas podem continuar com problemas financeiros até completarem 70 anos. De acordo com as cientistas, muitos dos jovens de hoje podem morrer e continuar devendo. “Se o que descobrimos continuar sendo verdade, podemos ter, no futuro, mais idosos com problemas financeiros substanciais”, ressalta Dunn.

Para chegarem a essas conclusões, as pesquisadoras obtiveram informações durante 13 anos, de 1997 a 2009, e examinaram pessoas com idade entre 18 e 85 anos, num total de 32.542 entrevistados. Usando um modelo estatístico, elas compararam como nascidos em diferentes épocas e com perfis semelhantes — como o nível de educação, de renda e estado civil — tratam as dívidas de cartão de crédito. Concluíram, então, que quem nasceu entre 1980 e 1984 tem em média US$ 5 mil a mais em débitos no cartão de crédito do que os pais quando viveram a mesma fase da vida e cerca US$ 8 mil a mais em comparação com os avós. A realidade norte-americana também se aproxima à dos jovens brasileiros. Uma pesquisa feita por Wesley Mendes da Silva, da Fundação Getulio Vargas (FGV); e por Wilson Toshiro Nakamura e Daniel Carrasqueira de Moraes, ambos da Universidade Presbiteriana Mackenzie, avaliou que universitários mostram frequentemente pouca habilidade para utilizar o cartão de crédito de uma maneira responsável. As conclusões vieram a partir da análise de questionários distribuídos para 769 estudantes de São Paulo sobre hábitos financeiros. Dos 552 estudantes que tinham cartões de crédito, 195, cerca de 35,3%, foram classificados como adeptos de um comportamento de risco.

Outra pesquisa conduzida pelo Departamento de Psicologia Econômica da Buffalo State College e pelo Núcleo de Estudos da Felicidade e do Bem-estar Financeiro da FGV envolve1.257 pessoas, sendo 814 brasileiros e 443 norte-americanos, e analisa a percepção dos universitários em relação à educação financeira recebida pelos pais. Entre as análises até agora efetuadas, Mendes da Silva pondera que tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos os pais tendem a não dar mesada aos filhos. Os que dão não os ajudam a administrá-la.

Para Silva, parece que, em se tratando de crédito, os brasileiros se apresentam mais dependentes do uso de cartões para efeito de autoafirmação do que os americanos. “Sabendo de que se trata de um público em fase de construção de sua posição social (emprego, propriedade, patrimônio, amigos etc.), parece que o uso de cartões de crédito desempenha um papel de suporte à autoafirmação. Contudo, o desconhecimento do funcionamento de produtos financeiros provoca nos brasileiros comportamentos julgados, do ponto de vista econômico, inadequados, como o uso do crédito para consumo de itens que não viabilizam ganhos futuros — a educação, por exemplo — e o não pagamento do valor total das faturas de cartões.”

Controle O analista de pesquisa Marcelo Pimentel, de 24 anos, veio de Patos de Minas (MG) para estudar ciências políticas na Universidade de Brasília (UnB). Desde quando chegou à capital, o controle de gastos feito por ele foi acentuado. “A forma de gastar é diferente se a gente comparar o padrão de vida de lá e o daqui”, conta. Outro fator importante que incentivou a economia foi a forma como os pais o ajudaram no início da mudança. “Meu pai me mandava uma quantia de dinheiro e aquilo tinha que durar o mês inteiro. Quando comecei a estagiar, falei para ele que não precisava mais e, assim, comecei a me virar para me manter”, conta.

Hoje, formado, Marcelo tem como costume anotar todos os gastos. No fim de cada mês, passa os dados para uma planilha e os analisa. “Assim, sei o quanto gastei com alimentação, educação e carro, por exemplo. É bem sistemático. Há quem diga que meu controle é meio maluco, mas eu acho fundamental ter a visão de quanto custa cada coisa para fazer planos e controlar gastos”, conta Marcelo.

Igor Martins, analista de negócios, ainda quando era universitário, trabalhava em uma empresa júnior e não tinha remuneração. Com isso, contava com o cartão de crédito dado pelo pai. “Ele estipulou uma quantia que eu poderia gastar e era para eu ir administrando. Eu extrapolei muito o valor e estourei o cartão. Foi uma única vez que isso aconteceu, mas eu resolvi procurar meios para controlar o dinheiro”, conta o jovem de 23 anos.

Hoje, ele utiliza um aplicativo para celular em que registra os principais gastos. “No começo, era um pouco difícil. Depois, eu tive que me esforçar para registrar as saídas, as faturas do cartão parceladas e outras prioridades, como alimentação, combustível e presentes”, conta Igor, que planeja usar as economias para fazer uma viagem ou aplicá-las.

O controle exercido por Marcelo e Igor é indicado por Dora Ramos, especialista em contabilidade e controladoria. Ela avalia que é fundamental saber quais são os gastos e como eles comprometem a renda. “Uma pessoa que está no primeiro emprego não tem tantos compromissos. Geralmente, o pai está pagando faculdade e o jovem sente que pode comprar várias coisas parceladas. A dica seria, para evitar surpresas desconfortáveis, ter uma planilha com anotações e não gastar mais do que se ganha. Vejo que muitos brasileiros pensam no crédito como possibilidade de gasto. A pessoa tem que entender que os gastos devem girar em torno do que ela realmente tem”, conta.