Título: A desculpa oficial da gazeta no Senado
Autor: Almeida, Amanda
Fonte: Correio Braziliense, 27/01/2013, Política, p. 2

Senadores alegaram participação em "missão política ou cultural" para justificar 82% das ausências. Parlamentares deixaram de ter um desconto de R$ 625 mil no contracheque

Nenhuma sessão plenária em 2012 contou com a presença de todos os senadores da Casa. O principal motivo para as ausências, em média de 13 senadores por reunião, não se trata de doença nem de representação da Casa em eventos oficiais. Chama-se “missão política ou cultural”. Amparados pela categoria amplamente subjetiva prevista no regimento interno da Casa, os congressistas apresentaram 567 requerimentos com pedidos para se ausentarem de sessões. Sob o guarda-chuva, entraram até dias em que senadores-candidatos participaram de evento de campanha. O eleitor, porém, não pode monitorar seus escolhidos, já que o Senado dificulta o acesso às informações.

As missões políticas ou culturais representaram nada menos que 82% das justificativas apresentadas pelos senadores para suas faltas. Na prática, os congressistas deixaram de ter um desconto de cerca de R$ 625 mil no contracheque, de acordo com levantamento do Correio. Os 567 requerimentos representaram 783 ausências, já que, em um mesmo pedido, o parlamentar pode pedir abono de falta para mais de um dia. Entre os que protocolaram as justificativas com base nessa categoria, estão os cinco senadores que foram candidatos em 2012: Inácio Arruda (PCdoB-CE), Cícero Lucena (PSDB-PB), Humberto Costa (PT-PE), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e Wellington Dias (PT-PI).

Um dos requerimentos apresentados por Arruda foi para se ausentar em 13 de setembro. Apesar de alegar não poder ter ido à Casa no dia, o senador teve tempo para evento de campanha. Em seu Twitter, postou diversas mensagens sobre debate eleitoral com a sua participação. Ele concorreu a prefeito de Fortaleza. Procurado pela reportagem, o parlamentar respondeu, por meio de sua assessoria, que não houve votações no dia e que, na mesma data, se reuniu com farmacêuticos para discutir a duração da jornada de trabalho da categoria. O encontro ocorreu na capital do Ceará.

Já Cícero Lucena pediu para faltar em 26 de setembro, entre outras datas. Alegou também “missão politíca ou cultural”. No Twitter, indiretamente, deu mais detalhes sobre os motivos de sua ausência. Ele participou de um encontro entre tucanos em apoio à candidatura para a prefeitura de João Pessoa. O senador foi procurado pela reportagem. A assessoria não deu retorno.

Os senadores podem alegar quatro motivos como justificativa para ausência. São eles: missão política ou cultural; missão oficial; doença; e interesses particulares. Não há detalhes sobre o que é permitido dentro dessas categorias. O Correio teve acesso aos requerimentos apresentados pelos senadores em 2012. A maioria não apresenta nenhum documento que comprove qualquer uma das justificativas dadas. Alguns anexam ao documento e-mails e cartas com convites para participação em eventos como representantes do Senado.

Para o cientista político David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), senadores que são candidatos deveriam se licenciar do cargo durante as eleições. “É o mais honesto com o próprio eleitor. Porém, eles não querem abrir mão do salário e de todos os penduricalhos, como a verba indenizatória”, diz. Ele destaca também que mesmo os que não concorreram no ano passado acabaram participando do pleito ao fazer campanha para correligionários. “Além de serem amparados por essas justificativas frouxas, é a velha prática: muitos só aparecem no Congresso na terça e na quarta-feira. Afinal, o Senado banca as passagens aéreas para eles voltarem para casa…”

Limite As faltas dos senadores a sessões deliberativas estão regulamentadas em Ato Conjunto do Congresso. Apenas os “interesses particulares”, que representaram apenas 7% das justificativas no ano passado, e aquelas não justificadas sofrem desconto no salário. É de cerca de R$ 800 por sessão, variando de acordo com o número de sessões deliberativas no mês. O limite máximo é de R$ 16.701,96 — o equivalente a 62,5% do salário do parlamentar. Apenas 9% das justificativas, em 2012, referiam-se a motivos de doença. Missões oficiais foram apenas 2%.

Para ter acesso às informações sobre ausência no Senado, o eleitor precisa fazer malabarismo. O senador precisa marcar presença, o equivalente a “bater ponto” apenas em dias de sessões ordinárias deliberativas, aquelas que podem ter votação. Para saber se houve falta, o cidadão precisa entrar em cada ata dos dias de reunião. Além disso, os documentos só registram os parlamentares presentes. Assim, o eleitor tem ainda que cruzar a informação com o nome dos senadores em exercício naquela sessão, informação que varia, já que frequentemente suplentes assumem o mandato.

O Senado também não explica em seu site quais são as regras em relação à ausência. O eleitor precisa ter paciência para fazer uma ampla pesquisa no regimento interno da Casa e em suas resoluções. A Câmara dos Deputados disponibiliza, em um link, todas as informações concentradas e também dá acesso mais facilmente às ausências dos parlamentares. O Correio pediu, por meio da assessoria da Casa e usando a Lei de Acesso à Informação como argumento, acesso à lista de faltas dos senadores em 2012. Mais uma vez, o Senado usou suas atas para justificar a negativa de dar a informação. A reportagem mandou uma lista de perguntas à assessoria na quinta-feira de manhã. Até o fechamento desta edição, nenhuma das questões foram respondidas.

“Além de serem amparados por essas justificativas frouxas, é a velha prática: muitos só aparecem no Congresso na terça e na quarta-feira” David Fleischer, cientista político

Memória Perdão na Câmara O Correio mostrou, em 26 de outubro do ano passado, que os deputados federais deixaram de ter um desconto de cerca de R$ 3 milhões em seus contracheques por ausências em plenário entre janeiro e setembro de 2012. A Câmara acatou nada menos que 3.810 justificativas para faltas por “atendimentos obrigatórios político-partidários”, categoria prevista no regimento. O número representa 66,75% das justificativas.

Apesar de a Mesa Diretora alegar que atividades eleitorais não estão incluídas nos atendimentos político-partidários, houve quem confessasse que usou a manobra para comparecer a eventos de campanha. Foi o caso de Paulo Piau (PMDB-MG), que se elegeu prefeito de Uberaba e apresentou 29 justificativas do tipo. “Estou disputando. Você acha que conseguiria estar em Brasília?”, questionou. Depois, justificou que não se licenciou do cargo para não deixar 90 prefeituras de sua base eleitoral “abandonadas”.

O valor do desconto a sessões plenárias na Câmara é de cerca de R$ 800 por falta. E há limite para redução da folha de pagamento do parlamentar por ausência não justificada. O desconto só pode chegar a R$ 16.701,96, o que corresponde a 62,5% do salário. Outra punição é a perda de mandato, prevista para aqueles que não comparecerem a um terço das sessões ordinárias, mas sem nenhum caso registrado na história da Casa.