O globo, n. 31735, 26/06/2020. País, p. 4

 

Investigação sob risco

26/06/2020

 

 

 Recorte capturado

TJ dá foro especial a Flávio e decisões sobre “rachadinha" podem ser revistas

 A investigação do Ministério Público do Rio (MP-RJ) sobre crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no antigo gabinete de FláviBolsonaro (Republicanos-RJ) naAlerj, a chamada "rachadinha", sofreu uma reviravolta ontem. Ao decidir que o atual sena-dor possui direito a foro especial porque era deputado estadual à época dos fatos, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) retirou do caso o juiz Flávio Itabaiana, que, como supervisor do inquérito na primeira instância, determinou medidas como a quebra de sigilo de Flávio e vários outros investigados e, há uma sema-na, a prisão preventiva do ex-assessor Fabrício Queiroz.
A mudança de foro, em divergência do que já decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) em casos análogos ao de Flávio (leia mais na página 6), foi criticada por ministros do STF e especialistas em Direito, e põe em risco as medi-das adotadas até aqui. Embora o TJ tenha decidido que as decisões cautelares tomadas por Itabaiana seguem váli-das, os advogados do senador já anunciaram que vão recorrer de todas elas ao novo juiz do caso, que poderá revisá-las. A defesa de Queiroz se-guirá o mesmo caminho.

Na prática, a mudança de foro já terá o efeito de atrasar a investigação, uma vez que o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público à Justiça estava previsto para os próximos dias. A defesa de Flávio entrou em março deste ano com um habeas corpus alegando ter direito a foro especial junto ao órgão Especial do TJ do Rio, uma vez que era deputado estadual na época dos fatos.

O placar do julgamento, realizado ontem, terminou em 2 a 1. A relatora do caso, desembargadora Suimei Cavalieri, votou contra o pedido da defesa. Já os desembargadores Mônica Oliveira e Paulo Rargel votaram por deslocar o caso para a segunda instância, permitindo assim que Flávio seja julgado pelo órgão Especial do TJ. O voto de Mônica representou uma mudança de posição em relação a outro recurso no ano passada

PROMOTORES SAEM DO CASO

Em seguida, os desembargadores votaram sobre a validade das decisões de Itabaiana até o momento. Suimei Cavalieri e Mônica Oliveira votaram pela validade das de-cisões do juiz que cuidava do caso na primeira instância. Já Paulo Rangel votou pela anu-lação das decisões do magistrado. Com isso, por enquanto, as decisões tomadas permanecem válidas. Segundo o TJ, o juiz Flávio Itabaiana terá agora que "dar baixa no processo encaminhando os autos ao órgão Especial". Depois disso, a investigação será distribuída, por sorteio eletrônico, para um dos 25 desembargadores que compõem o colegiado.

A decisão também vai impactar quem investiga. Os promotores do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc), equipe de promotores do Ministério Público do Rio que estava à frente do caso,terá de deixar a investigação, pois cuida apenas de inquéritos que correm na primeira instância. No MP, o caso ficará com o procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem.
Um depoimento do senador para os promotores que investigam o caso ocorreria hoje, mas foi cancelado. Os advogados de Flávio, Rodrigo Roca e Luciana Pires dizem que agora vão pedir a nulidade de todas as decisões de Itabaiana. 

— Como o Tribunal de Justiça reconheceu a incompetência absoluta do juízo de primeira instância, a defesa agora buscará a nulidade de todas as decisões e provas relativas ao caso desde as primeiras investigações — afirmou Luciana Pires, que criticou o início das investigações na primeira instância:

—A defesa sempre esteve muito confiante neste resultado por ter convicção de que o processo nunca deve- ria ter se iniciado em primeira instância e muito me— nos chegado até onde foi — afirmou ela, ao lembrar que Flávio Bolsonaro era deputado estadual na época.

Afastado do caso, o juiz Flávio Itabaiana relatou a pessoas próximas a frustração com a decisão da 3ª Câmara Criminal que tirou a investigação da vara da qual é titular. A amigos, disse, pouco depois da sessão de ontem que mudou o foro do caso:

“Por que eles têm tanto medo de mim?”.  Desde que assumiu o caso, em 15 de abril do ano passa- do, o juiz se viu sob forte pressão, que incluiu duas ações da Corregedoria—Geral de Justiça em sua vara ao longo do inquérito. Ele disse que não esperava ter de deixar agora o caso mais importante em 25 anos de magistratura.

RECURSOS EM SERIE

O recurso julgado ontem foi a nona vez que o senador tentou parar o caso. A primeira tentativa foi em janeiro do ano passado. Os advogados de Flávio entraram com uma reclamação no Supremo Tribunal Federal (STF ) em que apresentaram pela primeira vez a tese que Flávio teria direito a foro especial. Na ocasião, a defesa argumentava que queria ser investigado no STF pelo fato de que iria assumir o mandato no Senado.

Após decisão do ministro Luiz Fux no plantão do Judiciário, o relator do caso, ministro Marco Aurélio Mello, decidiu em fevereiro do ano passado devolver o caso ao TJ do Rio. Depois, a defesa impetrou um habeas corpus na 3ª Câmara Criminal pedindo novamente a suspensão das investigações alegando que houve acesso irregular ao seu sigilo fiscal e bancário. A liminar foi negada por unanimidade.

No entanto, Frederick Wassef, advogado de Flavio até domingo, levou a discussão sobre compartilhamento de dados do Coaf até o STF, em julho de 2019. Dias Toffli aceitou o recurso e paralisou, por quase seis meses, todas as investigações. Desde o início do ano, a defesa voltou a discutir a questão do foro para o julgamento do caso.