O globo, n. 31735, 26/06/2020. Sociedade, p. 10

 

Uma escolha técnica

Paula Ferreira

Gustavo Maia

Bruno Góes

26/06/2020

 

 

Em vitória de militares, Bolsonaro nomeia ex-presidente do FNDE para o MEC

 Em uma escolha reconhecida dentro e fora do Palácio do Planalto como um avanço e uma vitória da ala militar contra a ala ideológica do governo, o presidente Jair Bolsonaro nomeou ontem o professor Carlos Alberto Decotelli da Silva, de 67 anos, para comandar o Ministério da Educação (MEC), substituindo a Abraham Weintraub.

Terceiro ocupante do cargo no atual governo — e o primeiro ministro negro de Bolsonaro — Decotelli presidiu o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) entre fevereiro e agosto de 2019, durante a gestão de seus antecessores, Ricardo Vélez e Weintraub.  Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj ), Decotelli é professor da área de finanças na Fundação Getúlio Vargas (FGV) na qual também concluiu um mestrado em Administração —e atuou junto ao governo desde a transição, quando participou do plano para a área da Educação.

Segundo interlocutores do Palácio do Planalto, os militares do governo foram responsáveis por emplacar Decotelli no MEC, a revelia do grupo que ficou conheci-do como a "ala ideológica", que trabalhava pela indicado de Carlos Nadalim, atual secretario de Alfabetização do ministério e ligado a Olavo de Carvalho. 0 anúncio foi recebido com surpresa ate mesmo por auxiliares próximos do presidente. De acordo com um  integrante da Presidência, o no-me do novo ministro teria sido levado a Bolsonaro pelo chefe da Casa Civil, o general Walter Braga Netto.

O comando do Ministério da Educação estava vago desde a semana passada, quando Abraham Weintraub anunciou a sua saída, após uma serie de desgastes com o Supremo Tribunal Federal (STF). Antes de anunciar o novo ministro pelas redes sociais, o presidente Bolsonaro telefonou ao secretario de educacão do Parana, Renato Feder, que chegou a ser um dos principais cotados para o cargo. Ao telefone, agradeceu a disponibilidade de Fe-der e elogiou seu trabalho. Mais tarde, em sua "live" semanal na internet, Bolsonaro justificou sua escolha.

— A opção acabou sendo pelo Carlos Alberto Decotelli, pela idade, tem um currículo mais extenso, mas também tantas virtudes quanto tem também o garoto Renato, entre outros dois que se apresentaram também como candidatos a ser ministro da Educação. E foi uma escolha muito difícil porque todos os quatro tinham um currículo excepcional —comentou. Alern de Nadalim, a ala ola-vista do governo e os apoiadores mais conservadores de Bolsonaro tentaram emplacar o nome de Sergio Sant'Ana, ex-assessor especial de Weintraub, mas também não conseguiram.
Decotelli é retratado por seus alunos da FGV como uma pessoa bastante técnica e que não tocava em te-mas ideológicos nas aulas. O novo titular do MEC e conhecido de longa data do ministro da Economia, Paulo Guedes, com quem criou os cursos de MBA em Finanças no Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC). Alem de Tonga carreira na área econômica, Decotelli tambem já foi coordenador no Centro de Jogos de Guerra na Escola de Guerra Naval. Ele tem doutorado em Administração pela Universidade de Rosário, na Argentina, e pós- doutorado na Universidade de Wuppertal (Alemanha).

ELOGIOS, COM CAUTELA 

Além de ser o primeiro ministro negro do governo Bolsonaro, Decotelli é apenas o segundo a comandar o MEC. Sua entrada se dá após o ex-ministro Weintraub empreender uma luta contra as cotas.  As vésperas de deixar a pasta, Weintraub revogou uma portaria que incentivava a adoção de política de cotas para negros em programas de pós-graduação. Depois de repercussão negativa, o MEC revogou o ato do ex-ministro.  A escolha de Decotelli para o cargo foi elogiada com cautela por especialistas, entidades e parlamentares ligados à Educação.

Relatora da PEC do Fundeb, que definirá o modelo de financiamento da educação básica no país, a deputada Professora Dorinha Seabra (DEM—TO) elogiou o novo ministro, mas considerou ser preciso que ele tenha autonomia de fato para gerir a pasta. 

—Acho que foi uma boa escolha. Decotelli sempre foi muito receptivo em meus contatos com ele. Ele foi o primeiro a criar, no FNDE, um grupo de trabalho sobre o Fundeb, os técnicos ficavam à disposição. Ele me convidou para explicar o Fundeb aos servidores. Espero que deixem ele trabalhar, ele é altamente técnico e bastante equilibrado. As secretarias de Educação precisam muito de ajuda — opinou a deputada.  Foi durante a gestão de Decotelli à frente do FNDE que a autarquia do MEC publicou um edital de R$ 3 bilhões que foi suspenso pela Controladoria-Geral daUnião (CGU) por suspeitas de fraudes.  O pregão previa a compra de computadores, notebooks, projetores e lousas digitais para alunos das redes públicas de ensino estaduais e municipais. No entanto, reatório de auditoria da CGU apontou que a licitação estimou uma quantidade maior do que a necessária. O FNDE afirmou que o número de laptops superior ao de alunos seria corrigido antes da efetivação da compra.