Título: Rotina de angústia e esperança no hospital
Autor: Mariz, Renata; Almeida, Amanda; Valadares, João
Fonte: Correio Braziliense, 31/01/2013, Política, p. 4

Todos os dias elas estão lá. Algumas com as mesmas roupas. São mães que desde domingo exercitam a dureza da espera na porta de entrada do Hospital de Caridade de Santa Maria. As mesmas que se arrepiam todos os dias, exatamente na mesma hora, quando o repórter, ao vivo da frente do hospital, avisa para o Brasil que "há 75 pacientes com grande risco de óbito." É quase uma condenação. O pior: aos poucos. Engolem seco e seguem o martírio. A sala da angústia tem nome: Centro de Terapia Intensiva (CTI). É lá que, por três vezes no dia, elas têm o direito de olhar para os filhos por apenas cinco minutos. Nunca são olhadas. Descem e esperam para esperar os próximos cinco minutos que só serão possíveis depois de nove horas.

Claudete dos Santos, 44 anos, é mãe de Maki Adriel dos Santos, 20. Ela só olha para o relógio. Todo dia, repete a rotina do sofrimento. Fica no hall do hospital, conversa com alguns parentes e torce para o tempo passar mais rápido. Às 8h30, ela pode entrar na CTI para tentar abraçar o filho que não responde. Vinte minutos antes, ela já vai para lá. "Só temos cinco minutos. É a regra para esses casos. Hoje, estou feliz. Ele balançou a cabeça quando eu perguntei se me amava."

Maki é o maior orgulho de Claudete. Com muito esforço, o filho de mãe pobre conseguiu passar no vestibular de desenho industrial da Universidade Federal de Santa Maria. Não aceita de jeito nenhum que a tragédia roube isso dela. "Ele vai escapar sim. Desci agora de lá. Ele me escutou. Respondeu com a cabeça. Agora, é esperar as 17h30 para voltar lá." E depois esperar o relógio bater as 21h30 para tentar outra reação do filho. Às 22h, ela volta para casa. "A pior parte é o jantar. A hora em que ele chegava da faculdade e me perguntava se estava tudo certo", diz.

Do lado de fora do hospital, sentado em uma mureta de concreto, um agricultor de boné passa horas olhando para o nada. Olhar longe. Senta sempre no mesmo lugar. Só sai para fumar um cigarro no meio da rua. Falando muito baixo, responde para dentro que perdeu um irmão de 19 anos no incêndio da boate Kiss. Diz que, agora, está sentado esperando a morte da irmã Mariza Teixeira, 21 anos. "Os médicos foram honestos. Disseram que acreditavam que até as 18h ela poderia morrer. Só tem um 1% de chance, 1%", repete, falando um pouco mais alto. Ela ainda não morreu. De terça para quarta, o trabalhador rural dormiu atrás de um vaso que fica na entrada da unidade de saúde. "Não tenho como voltar para casa. Estou aqui esperando a hora. Vou ficar aqui até ela morrer."

A dona de casa Eva Regina Antunes Diolindo, 58 anos, sentada ao lado, escuta e sente a desesperança do agricultor. Ela é tia de Fernanda Antunes, 19 anos. Foi ao Hospital de Caridade porque alguém disse que a sobrinha havia acabado de ser internada em estado grave. "A mãe dela mora em São Paulo. Ainda não consegui confirmar se a Fernanda está aqui mesmo. Vou agora procurá-la em outro hospital." Eva sabe o que é sofrimento. Perdeu um filho de 31 anos. "Eu fico olhando o sofrimento dessas mães aqui. Eu sei o que é isso."

Hospitalizados Todos os dias, o balanço dos feridos é atualizado. Até o fim da noite de ontem, de acordo com a Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul, havia 134 hospitalizados, dos quais 87 em unidades de terapia intensiva (UTIs) — 60 em Porto Alegre, 25 em Santa Maria, um em Ijuí e um em Caxias do Sul. Deles, 54 respiram com a ajuda de aparelhos. Outras 55 pessoas seguem em observação no município onde ocorreu a tragédia. Na terça-feira, eram 122 pessoas internadas. Segundo a Força Nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), o número aumentou porque mais pessoas procuraram as unidades de saúde apresentando sintomas de intoxicação e pneumonite química, como tosse e dificuldade de respirar. De acordo com o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, mais de 500 pessoas receberam atendimento desde o último domingo, quando ocorreu a tragédia em Santa Maria.

Troca de experiências Ontem foi realizada, no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (RS), a primeira videoconferência, por meio do programa Telessaúde Brasil Redes. O encontro reuniu médicos do país e do exterior para trocarem experiências sobre o tratamento de pacientes com problemas respiratórios e queimaduras. Participaram especialistas dos Hospitais de Excelência da área respiratória e de ventilação da Unicamp, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e das unidades internacionais de San Diego e Miami, nos Estados Unidos, e do Iraque. A intenção é que os encontros continuem hoje com outras unidades de saúde que estão atendendo as vítimas do incêndio da boate Kiss.