Título: Luz e sombra na briga pelo poder no Congresso
Autor: Lyra, Paulo de Tarso; Caitano, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 31/01/2013, Política, p. 12

Enquanto a Câmara estendeu até as 22 horas de domingo o prazo de inscrição para os interessados em disputar a presidência da Casa — já estão confirmados Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), Rose de Freitas (PMDB-ES), Júlio Delgado (PSB-MG) e, possivelmente, Chico Alencar (PSol-RJ) — , Renan Calheiros (PMDB-AL) sai da toca hoje quando, finalmente, anunciará o que todo mundo sabe há dois anos: que é candidato a suceder José Sarney (PMDB-AP) no comando do Congresso. Fará isso às 17 horas, pouco mais de 12 horas antes da eleição.

Os deputados candidatos já viajaram pelo país inteiro de avião — fretado, emprestado ou de carreira. Henrique Alves, por exemplo, percorreu 14,4 mil quilômetros, passando por 11 capitais, com combustível pago pelo PMDB a valores não revelados. Os panfletos de propaganda foram impressos e distribuídos com as 5,9 mil cópias do livro que o deputado editou sobre sua atuação parlamentar. O valor total da impressão foi de R$ 25,9 mil. Júlio Delgado (PSB-MG) acumulou 18 mil quilômetros voados por 10 capitais, mas pagou as viagens com dinheiro do próprio bolso. Distribuiu 2 mil folhetos, que custaram R$ 1,4 mil. Rose de Freitas (PMDB-ES) ficou em Brasília, mandou imprimir 2 mil panfletos e posicionou 40 cavaletes e 30 faixas nas superquadras onde os deputados moram, em Brasília.

Renan, na surdina, distribuiu cargos, dividiu comissões, repartiu relatorias, telefonou para gabinetes. Para evitar turbulências como a denúncia feita na semana passada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ressuscitando o escândalo das notas frias de venda de gado para justificar o pagamento de contas pessoais, esperou até o limite extremo para, segundo um integrante da Casa, "colocar a cabeça para fora a salvo de receber muita pancada".

"A candidatura de Renan é clandestina e subterrânea", protestou a líder do PSB no Senado, Lídice da Mata (BA). O partido dela divulgou ontem uma nota para lembrar que a população brasileira está insatisfeita com os políticos e que o Senado ajuda a reforçar essa impressão. "Os cidadãos e cidadãs, com toda a justeza, se queixam da ineficiência, do desrespeito à ética, da falta de uma maior sintonia com as grandes aspirações da nação", diz um trecho da nota, que praticamente tira do balaio do líder peemedebista os quatro votos da bancada do PSB. "É a tendência, mas como dizer isso agora, se o Renan não assume que é candidato?", provocou Lídice da Mata.

A líder garante que mantém ótima relação com Calheiros, a quem considera uma pessoa "educadíssima" e mais capaz do que outros integrantes da bancada do PMDB para presidir o Senado. Mas reconhece que a forma como o processo foi conduzido, às escuras, além da denúncia de Gurgel, dificulta a vida do candidato favorito. "Ele está com uma bomba apontada sobre a cabeça. Pode ser que a denúncia (da PGR) não seja aceita. Mas qualquer senador poderá fazer uma representação contra ele no Conselho de Ética da Casa", lembrou a senadora baiana.

Aliados de Renan afirmam que a disputa do Senado não é festiva como na Câmara. Lembram que não há necessidade de outdoors, panfletos ou corpo a corpo. Renan está escondido, ligando para cada um dos senadores. E aposta na própria atuação no passado recente. "Renan virou um grande despachante, fazendo tudo para todo mundo. Ao se colocar como candidato, as pessoas, naturalmente, vão se lembrar do que ele fez por cada uma", disse um integrante da tropa de choque do senador alagoano. Antes do anúncio, um retoque interno. Pessoalmente, ele definiu que Eunício Oliveira (CE) será o novo líder da bancada e que Romero Jucá (RR) ocupará a vaga de segundo vice-presidente da Mesa e vice-líder da bancada. Os dissidentes da candidatura Renan também adiaram ao máximo a definição de quem vai concorrer com o peemedebista. A decisão será tomada hoje, às 10 h, em reunião no gabinete do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE). O mais provável é que o candidato seja Pedro Taques (PDT-MT), mas o senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP) ainda não desistiu de disputar o cargo máximo do Senado. "O tempo mostrou que a nossa tática de adiar a escolha foi profícua. A nota da bancada do PSB, sinalizando que não votará em Renan, mostra que cada vez mais senadores não querem tomar uma decisão destoante do sentimento das ruas", declarou Randolfe.

Ontem à tarde, cerca de 20 manifestantes fizeram um protesto em frente ao Congresso Nacional. Impedidos pela segurança do Poder Legislativo de lavar a rampa, numa faxina para "limpar a Casa", os manifestantes fincaram vassouras no gramado para defender que o Senado tenha um presidente "ficha limpa".

Hora de descansar, Very Well...Very Well realizou ontem seu último desejo como servidor do Palácio do Planalto. Às vésperas de se aposentar, após 51 anos na sede do Poder Executivo, o funcionário José Henrique Nazareth, de 78 anos, foi recebido pela presidente Dilma Rousseff. "Eu sempre pensava: pô, será que eu vou embora sem falar com a dona Dilma? Foi uma beleza", disse ele sobre o encontro, que durou cerca de 5 minutos. Very Well levou a família, tirou fotos com a presidente e entregou a ela um escapulário e uma medalha com imagens dos anjos Gabriel, Rafael e Miguel. "(Dilma) disse que, em nome do povo brasileiro, me agradecia por todos esses anos de serviço", relatou orgulhoso.

José Henrique começou a trabalhar no palácio em 1961, lotado na Secretaria Particular do Presidente. Em 1968, foi para Comitê de Imprensa, onde recebeu dos jornalistas o apelido pelo qual é conhecido. Como ele tinha a mania de falar palavras em inglês e de chamar os jornalistas de Johnny, Michael ou Mary, acabou ganhando o apelido de Very Well (muito bem, em tradução livre). Mesmo aposentado desde a década de 1990, continuou trabalhando. "Ele disse para o médico que essa era a única coisa que sabia fazer, era a vida dele", contou a filha Ludmila Nazareth.