Título: Acenos de paz
Autor: Walker, Gabriela
Fonte: Correio Braziliense, 31/01/2013, Mundo, p. 20
O movimento extremista palestino Hamas pode estar próximo de anunciar uma mudança significativa em sua recusa absoluta a aceitar a "solução de dois Estados" para o conflito árabe-israelense, com uma Palestina coexistindo ao lado de Israel. De acordo com o jornal israelense Haaretz, que cita a publicação egípcia Al-Sharq, o líder político do Hamas no exílio, Khaled Meshaal, teria anunciado essa disposição ao rei da Jordânia, Abdullah II, com quem manteve reuniões nos últimos dias, em Amã. Segundo o Haaretz, Meshaal teria "autorizado" o monarca a comunicar o endosso do movimento a um Estado palestino nas fronteiras anteriores à guerra de 1967 — compreendendo a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental —, como defendido em 2012 pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Abdullah deve encontrar-se com Obama nas próximas semanas.
A notícia não foi comentada oficialmente por nenhum das duas partes, e também Israel manteve silêncio. Nos últimos meses, porém, intensificaram-se os indícios de mudança na posição do movimento islâmico, como parte de uma reaproximação com o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas, líder do partido nacionalista Fatah. Abbas e o dirigente do Hamas reuniram-se no início deste mês no Egito. O encontro com Abdullah marcou a primeira visita de Meshaal à Jordânia desde 1999, quando foi expulso do país.
O dirigente palestino responsável pelas negociações com Israel, Saeb Erekat, disse ter recebido "com muita seriedade" os acenos do líder islâmico. "A mudança de posição decorre do fato de que o Hamas entende que a adesão à Organização para a Libertação da Palestina (OLP) o obriga a agir na base de um programa político cujo ponto de partida é a solução de dois Estados nas fronteiras de 1967", disse Erekat, citado pelo Haaretz
Falando reservadamente ao Correio, um diplomata israelense sugeriu que o governo do premiê Benjamin Netanyahu acompanha com interesse os indícios de uma inflexão na postura do Hamas, que até o momento recusou qualquer compromisso ou acordo que implicasse o reconhecimento do Estado judeu — por esse motivo, o movimento islâmico relutou em apoiar o pedido de reconhecimento feito às Nações Unidas por Abbas. De acordo com esse funcionário, embora aguarde com cautela uma declaração pública e formal, Israel vislumbra a possibilidade de abrir conversações com o Hamas, desde que "nas mesmas condições em que isso ocorreu com o Fatah" após os Acordos de Oslo, de 1993.
Qualquer aproximação com Israel, no entanto, teria como condição a adesão dos islamistas às bases definidas pelo Quarteto para o Oriente Médio, articulação diplomática composta por EUA, Rússia, União Europeia (UE) e ONU. "Isso inclui também a renúncia à violência e ao terrorismo e o acatamento dos acordos de paz anteriores", observou o diplomata, deixando entrever que a movimentação do Hamas é monitorada com atenção e cuidado semelhantes aos que foram dispensados, duas décadas atrás, aos movimentos do líder palestino Yasser Arafat em direção ao reconhecimento de Israel e ao processo de paz.
Guinada
A adesão do Hamas a uma solução negociada, caso se confirme, será um marco histórico na tentativa de buscar a paz na região, avalia Danny Zahreddine, coordenador do Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). "Essa mudança é um indício inédito e importantíssimo, porque viabiliza um caminho para a solução", reforça Zahreddine. "Se Israel não se posicionar claramente sobre esse assunto, seu isolamento será maior ainda, porque é importante destacar que se avolumam as críticas internacionais contra a colonização (judaica) na periferia de Jerusalém."