Título: Renan põe acordos à prova no Senado
Autor: Lyra, Paulo de Tarso ; Correia, Karla
Fonte: Correio Braziliense, 01/02/2013, Política, p. 2/3/4

Após uma série de negociações costuradas nos bastidores, parlamentar alagoano oficializa a candidatura e é o favorito para voltar hoje à presidência da Casa

O senador Renan Calheiros (PMDB-AL) deve ser eleito hoje presidente do Senado com cerca de 60 dos 81 votos possíveis da Casa. A provável vitória avassaladora, contudo, não dá a dimensão do que poderá ser a gestão do peemedebista. Denunciado pelo Ministério Público Federal no Supremo Tribunal Federal (STF) pela emissão de notas frias para justificar o pagamento de despesas pessoais, Renan deixou para confirmar a candidatura na véspera da eleição. E segue se poupando: o anúncio foi feito pelo presidente do partido, senador Valdir Raupp (RO), e pelo futuro líder da bancada, Eunício Oliveira (CE).

Raupp negou dificuldades para o partido ou para o Senado durante a gestão de Renan Calheiros. “Essa candidatura vem sendo construída ao longo do tempo. A prerrogativa da candidatura cabe à bancada do PMDB e ela escolheu Renan”, disse. O parlamentar de Rondônia destacou que o colega de Alagoas foi aclamado na reunião interna da legenda e, de acordo com os cálculos dos aliados, terá 19 dos 21 votos dos correligionários. As únicas dissidências devem ser de Pedro Simon (RS) e Jarbas Vasconcelos (PE).

Escolhido como líder da bancada, Eunício não demonstrou qualquer preocupação com a pressão externa contra a candidatura de Renan Calheiros. Na quinta-feira, uma manifestação colocou no gramado em frente ao Congresso 81 vassouras formando a palavra S.O.S. Ainda corre na internet um abaixo-assinado contra a candidatura do peemedebista que já conta com mais de 250 mil assinaturas. Informado do protesto, Eunício demonstrou pouco caso. “Ah, (a manifestação é) dos eleitores? Isso pode ter efeito externo, mas não aqui dentro”, desdenhou.

Renan costurou cuidadosamente os acordos para fazer a maioria no Senado e retomar o cargo para o qual foi obrigado a renunciar em 2007. As primeiras articulações ocorreram dentro da própria bancada. No início da atual legislatura, em 2011, havia um grupo de peemedebistas que se posicionava contra a atual cúpula do partido. Renan foi realizando intervenções cirúrgicas. O primeiro gesto foi trabalhar para, com a destituição de Romero Jucá (RR) da liderança do governo no Congresso, apoiar a escolha de Eduardo Braga (AM) para a vaga. O grupo perdia uma das vozes mais articuladas.

A operação prosseguiu e Renan indicou Vital do Rêgo (PB) para a presidência da CPI do Cachoeira. Outro dissidente, Roberto Requião (PR) foi premiado com a presidência do Parlamento do Mercosul. E, depois que a oposição começou a se aproximar do senador Luiz Henrique (SC), Renan pediu à presidente Dilma Rousseff que “prestigiasse” Luiz Henrique. O peemedebista catarinense foi então incluído na comitiva presidencial que viajou para Rússia em dezembro e passou a apoiar Renan.

A última operação para evitar surpresas internas surgiu da escolha de Eunício para a liderança do PMDB. Romero Jucá queria a vaga, mas Eunício mandou um recado claro: teria combinado com Renan em dezembro que sucederia o colega alagoano. Jucá teria tentado atravessar o acordo em janeiro, apresentando-se como alternativa para o cargo. Se Renan não interviesse, ele se lançaria como candidato avulso e atrairia os votos da oposição e de parte da bancada. Por fim, Eunício foi confirmado líder, na noite de anteontem, e Jucá teve que se contentar com a segunda vice-presidência da Mesa.

Ações O candidato do PMDB também trabalhou externamente. Durante a CPI do Cachoeira, foi um dos principais articuladores para a rejeição do relatório do deputado Odair Cunha (PT-MG). Renan também procurou o DEM. Em 2007, o líder da bancada demista, José Agripino Maia (RN), concorreu contra Renan pela presidência do Senado e acabou derrotado. Quando estourou a crise que levou o senador alagoano a renunciar ao cargo, Agripino e o então senador Demóstenes Torres (GO) — cassado no ano passado pelo envolvimento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira — transformaram-se em rivais implacáveis.

No fim do ano passado, Renan foi pessoalmente pedir apoio a Agripino. Reforçou o discurso da proporcionalidade, tão caro ao DEM, que hoje encolheu para quatro senadores — em 2007, tinha 17. E ainda deu um aviso, polido, mas direto: a governadora do Rio Grande do Norte, Rosalba Ciarlini (DEM), afilhada de Agripino, tem o PMDB na base de apoio estadual. A parceria teria tudo para permanecer, só dependia dele. A aproximação, entretanto, não vingou. Agripino anunciou ontem, publicamente, que apoiará o candidato da oposição, Pedro Taques, do PDT-MT, (leia mais na página 3). Acrescentou que tentará trabalhar para que a bancada demista siga essa orientação.

“Essa candidatura vem sendo construída ao longo do tempo. A prerrogativa da candidatura cabe à bancada do PMDB e ela escolheu Renan” Valdir Raupp, presidente do PMDB

Dirceu defende peemedebista Ex-chefe da Casa Civil e réu condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do mensalão, José Dirceu defendeu, em seu blog, a candidatura de Renan Calheiros (PMDB-AL) à presidência do Senado. Dirceu atribuiu ontem a uma “ofensiva midiática” e a um “falso moralismo” os protestos feitos em frente ao Congresso na tarde de quarta-feira e a própria cobertura da imprensa em relação à denúncia do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, contra o senador peemedebista.

>>perfil RENAN CALHEIROS

“Em política, se morre muitas vezes” Em 1885, foi inaugurada uma linha de trem ligando Recife a Maceió. A última estação, já em solo pernambucano, é Quipapá, usada em uma piada popular no Nordeste, que se aplica à carreira política de Renan Calheiros. Um passageiro, sem bilhete, foi expulso por seguranças do vagão, mas insistiu e entrou no seguinte. Acabou retirado novamente e entrou em outro vagão. Mais sopapos dos fiscais. De tanto vê-lo sendo agredido, uma senhora se compadeceu. “Meu filho, até onde o senhor vai apanhando desse jeito?” E ele respondeu: “Se meu pescoço aguentar, eu chego até Quipapá”.

Renan aprendeu a fazer política em silêncio, pois sabe que precisa ter um pescoço firme para apanhar. Costuma dizer aos aliados que faz reuniões à noite, “depois que os jornais fecham, pois sabe que reuniões públicas servem de pauta para a imprensa”. Prefere encontros em residências de aliados, regados a bons vinhos e muita, muita conversa. E só entra em reuniões com tudo acertado anteriormente.

Também foi apelidado de “fígado de aço” porque, por pragmatismo, alia-se, sem qualquer remorso, com quem brigou no passado. Perdeu muito após o rompimento com Fernando Collor, em 1990, e com a renúncia à presidência do Senado, em 2007. Tenta, agora, voltar aos holofotes. E cita uma frase de Getúlio Vargas: “Em política, se morre muitas vezes”. (PTL)

Linha do tempo Confira a trajetória política de Renan Calheiros

» Fim da década de 1970. Líder estudantil na adolescência, presidiu o diretório acadêmico da área de ciências humanas e sociais da Universidade Federal de Alagoas. Filiou-se ao MDB, de oposição ao regime militar.

» Em novembro de 1978, candidatou-se e foi eleito deputado estadual pelo MDB.

» Entre 1980 e 1981, após o fim do bipartidarismo, foi líder da bancada do PMDB na Assembleia do Estado de Alagoas. Chamava o então prefeito de Maceió, Fernando Collor de Melo, de “príncipe herdeiro da corrupção”.

» Em 1982, mudou-se para Brasília após ser eleito deputado federal e se formou em direito pela Universidade Federal de Alagoas.

» Em 1985, perdeu para Djalma Falcão a disputa interna para ser candidato à prefeitura de Maceió. Virou presidente regional do partido, com o apoio do usineiro João Lyra.

» Reeleito em 1986 para deputado federal com a maior votação do estado.

» Em junho de 1988, tornou-se um dos fundadores do PSDB.

» Deixou o PSDB em 1989 para se filiar ao PRN e ser assessor pessoal da candidatura de Fernando Collor à presidência da República.

» Em 1990, tornou-se líder do governo no Congresso. Perdeu para Geraldo Bulhões a disputa pelo governo de Alagoas. Acusou Bulhões, aliado de Collor, de fraude nas eleições estaduais de 1990. Paulo César Farias foi o tesoureiro de Bulhões. Abandonou o PRN, acusando Collor de traição.

» Em 1992, acusou PC Farias de montar um governo paralelo e ajudou no pedido de impeachment de Collor.

» Entre 1993 e 1994, tornou-se vice-presidente executivo da Petrobras Química SA (Petroquisa).

» Em outubro de 1994, elegeu-se senador, com 235.332 votos.

» Em abril de 1998, com o apoio do senador Jader Barbalho, tornou-se ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso. Deixou o cargo em julho de 1999.

» Em 2002, com José Sarney, apoiou a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva.

» Em 2005, elegeu-se presidente do Senado.

» Em outubro de 2007, teve que renunciar ao cargo, após denúncias de que um lobista pagara contas pessoais. O capítulo final foi a apresentação de notas frias de vendas de cabeça de gado para justificar a renda. Fez o anúncio em rede nacional de tevê (foto).

» Em 2010, reelegeu-se para mais oito anos no Senado.