Título: Drama dos sobreviventes pode durar anos
Autor: Colares, Juliana ; Chaib, Julia
Fonte: Correio Braziliense, 01/02/2013, Brasil, p. 6

Lesões decorrentes da fumaça tóxica e do trauma podem afetar as vítimas do incêndio para o resto da vida. Ministro da Saúde afirma que a prioridade é cuidar da situação atual, mas não descarta plano de atendimento a longo prazo

Focado no atendimento imediato aos feridos no incêndio que atin­giu a casa noturna Kiss, no último domingo, o Ministério da Saúde ainda não pensou em um plano de longo prazo para atender os sobreviventes que venham a apresentar sequelas físicas e psicológicas. Casos semelhantes à tragé­dia de Santa Maria, entretanto, mostram que as consequências do trauma e da ex­posição à fumaça tóxica podem persistir por meses ou anos. A boate de Santa Ma­ria tinha capacidade para 691 pessoas, mas as investigações indicam que havia mais de mil no local na noite do incêndio.

Na Argentina, oito anos após a boate República Cromanón pegar fogo, matan­do 194 pessoas, os sobreviventes ainda apresentam problemas físicos e psicoló­gicos e necessitam de acompanhamento médico. Até hoje, cercade 1,3 mil pessoas recebem subsídio mensal de 600 pesos (cerca de R$ 240). Também foi criado um programa de atenção aos feridos de Cro­manón. Nos Estados Unidos, após o ata­que de 11 de setembro, em 2002, mais de 20 tipos de câncer foram incluídos na lis­ta de doenças cobertas por um fundo criado para oferecer tratamento médico a pessoas expostas à fumaça tóxica e à poeira liberada no episódio.

Segundo a coordenadora de Saúde da associação Familias por La Vida, criada para dar assistência aos parentes dos mortos e dos feridos no caso Cro­manón, LilaTello, as vítimas ainda pre­cisam ser monitoradas. "Muitos dos transtornos físicos e psicológicos per­sistem em maior ou menor grau, de­pendendo do apoio imediato dado à ví­tima, do seguimento do tratamento (são pacientes que esporadicamente o abandonam por depressão ou outras causas) e do controle periódico e obri­gatório psicofísico (as substâncias tóxi­cas podem se depositar em algum ór­gão)", afirma. " Além disso, os sentimen­tos de culpa e a depressão podem oca­sionar a diminuição das defesas, abrin­do espaço para o surgimento de casos de câncer e tentativas de suicídio."

Na opinião de Lila, tanto os familia­res quanto os sobreviventes precisam de profissionais e centros de saúde es­pecializados em estresse pós-traumá- tico. "Em geral, elas não suportam a es­pera em centros hospitalares lotados e impessoais", disse em entrevista ao Correio. No Brasil, o caso do vazamen­to de Césio-137 em Goiânia (ver me­mória), em 1987, também demandou atenção especial à saúde dos sobrevi­ventes e às famílias. Na época, o gover­no de Goiás criou um sistema de moni­toramento das vítimas.

Na avaliação do diretor do Hospital Regional da Asa Norte, o pneumologista Paulo Feitosa, envolvidos na tragédia de Santa Maria podem precisar de acompa­nhamento médico por toda a vida. "Os pacientes que estão com maior gravida­de hoje e sobreviverem são os que vão fi­car com mais sequelas", diz. "Elas terão de passar por provas da função pulmo­nar em série até chegar a uma situação definitiva", explica.

Acompanhamento

Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Toxicologia e médico do Centro de In­formação Toxicológica do Rio Grande do Sul, Carlos Augusto Mello da Silva alerta que todas as pessoas que estavamnaboate podem apresentar danos neurológicos, in­cluindo distúrbios de memória e altera­ções comportamentais. Nem o risco de de­senvolvimento de câncer está descartado. Segundo apresidente da Associação Brasi- liense de Apoio ao Paciente com Câncer, Luci Ishii, ainda não se pode estabelecer uma correlação direta entre a inalação da fumaça durante o incêndio e o risco de de­senvolvimento da doença. Mas ela reco­menda atenção à saúde dos envolvidos pelos próximos cinco anos. "Não sabemos agora quais as substâncias químicas libe­radas no incêndio e quais eram canceríge­nas. Todo mundo exposto a qualquer substância venenosa deve ter um cuidado mais frequente com a saúde", comenta.

A assessoria de imprensa do Ministé­rio da Saúde disse que a pasta orientou as pessoas que estavam na boate ou que ti­veram algum tipo de contato com a fu­maça ou com os corpos a procurarem o serviço de saúde. Garantiu, ainda, que todas elas são consideradas grupo de ris­co. Os esforços, no momento, são para atender vítimas e parentes na fase mais crítica. Entretanto, a pasta não descarta a elaboração de um plano de acompanhamento alongo prazo. "Até agora, o Brasil tem atendido a demanda dos feridos. O Ministério vai acompanhar diariamente a situação deles. Tudo o que for necessário para salvar vidas será feito", afirmou ministro da Saúde, Alexandre Padilha.

Padilha informou que o atendimento psicológico das vítimas e dos parentes é uma das prioridades, já que muitos feridos podem permanecer internados por tempo prolongado. Até 18 de fevereiro, o Centro de Atenção Psicossocial de Santa Maria funcionará 24 horas e já há núcleos de acolhimento aos familiares em todos as unidades de saúde. Até a última segunda-feira, foram feitos 60 atendimentos, domiciliares de saúde mental.