Título: Dólar cai 2,83% em janeiro
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 01/02/2013, Economia, p. 12

Fazenda e BC se desentendem sobre a política cambial, e analistas apostam que a moeda pode recuar até a R$ 1,95

Diante de um governo dividido em relação à política cambial, o dólar terminou o pregão de ontem abaixo dos R$ 2, valor até há pouco tempo visto como piso de uma banda informal de variação assumida pelo Banco Central (BC). A divisa terminou o dia praticamente estável, com leve alta de 0,08%, cotada a R$ 1,993 na venda. Em janeiro, no entanto, a moeda acumula um recuo de 2,83%.

Para o mercado, a posição do BC, explícita em documentos da instituição, sugere que o limite mínimo para o dólar passou a ser de R$ 1,95, um patamar que pode ser alcançado em breve. Se a inflação continuar pressionando, a autoridade monetária estaria disposta a permitir uma queda mais intensa da divisa para baratear os produtos importados e evitar que os preços internos subam demais em 2013.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, no entanto, tem dado declarações que procuram descaracterizar a estratégia do BC — mas só têm conseguido confundir o mercado em relação à política do governo. Na última quarta-feira, afirmou que a política de controle cambial não mudou, “veio para ficar”, e que o dólar não vai derreter. As palavras do ministro só alimentaram a impressão de que existe um racha na equipe econômica: de um lado, Mantega defendendo um dólar mais elevado para ajudar a indústria; de outro, o BC em busca de uma cotação menor para combater a inflação, sem ter de subir os juros.

“Afinal, quem é o gestor da política cambial?”, provocou o economista Sidnei Nehme, diretor executivo da NGO Corretora de Câmbio. “A fala do ministro Mantega, pelos inúmeros pontos conflitantes com a recente decisão do BC de apreciar o real ante o dólar, suscitou o questionamento se o BC e o ministério estão alinhados nesta decisão ou se há efetivos desencontros”, ponderou.

Para analistas, as declarações causaram exatamente o que o Planalto não deseja: mais volatilidade e incerteza. “O Brasil está mal visto lá fora. Ainda é cedo para falar em fuga de capitais, mas os estrangeiros estão revendo suas posições. O país deixou de ser o queridinho”, argumentou Demetrius Lucindo, economista e consultor da Prosper Corretora.

Desgaste Também em algumas alas do governo, as falas do ministro da Fazenda passaram a ser vistas com desconfiança e têm alimentado especulações de que a presidente Dilma Rousseff deseja trocar o chefe da economia. Integrantes da cúpula governamental, porém, explicam que Mantega é benquisto no Planalto. Se Dilma for tirá-lo do posto, será em um momento em que a economia esteja mais forte, para evitar ruídos adicionais. A avaliação é de que o ministro está com a credibilidade arranhada, o que cria problemas para atrair investimentos e recuperar a confiança da iniciativa privada. Entre os cotados para a sucedê-lo estariam o presidente do BC, Alexandre Tombini, e o secretário executivo da Fazenda, Nelson Barbosa.

Na visão de analistas, enquanto a inflação continuar ameaçando, o BC vai brigar por um dólar mais desvalorizado, mesmo contra a Fazenda. A estimativa é que, em meados do ano, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 12 meses estoure o limite de tolerância de 6,5% ao ano. Passado esse momento de tensão, o BC permitiria que a moeda voltasse a subir ante o real.

» Índice Big Mac

O real está 29,2% sobrevalorizado frente ao dólar, segundo o Índice Big Mac, calculado pela revista britânica The Economist desde 1986. Por ser vendido em 120 países, com os mesmos insumos, o produto é usado para avaliar a capacidade de compra em cada nação. No Brasil, o sanduíche é o quinto mais caro, custa US$ 5,64, ante US$ 4,37 nos Estados Unidos. O mais barato é o da Índia — US$ 1,67. Se os dados forem ponderados pelo Produto Interno Bruto (PIB) per capita, o real é a moeda mais valorizada do mundo.