Título: Fronteira em alerta
Autor: Valente, Gabriela Freire
Fonte: Correio Braziliense, 01/02/2013, Mundo, p. 16

Regime sírio ameaça retaliar ataque aéreo de Israel, que instala baterias antimísseis na fronteira. Incidente provoca reações opostas dos EUA e dos aliados de Damasco

Um dia depois de ter denunciado o bombardeio de Israel contra um centro de pesquisas militares próximo à capital, Damasco, o regime sírio ameaçou ontem com um revide sem aviso-prévio. O embaixador do país no Líbano, Ali Abdul-Karim Ali, afirmou que o governo do ditador Bashar Al-Assad pode "tomar de surpresa a decisão de responder ao ataque dos aviões israelenses" e está "envolvido na defesa de sua soberania e de seu território". O bombardeio, que não foi confirmado nem desmentido pelas autoridades israelenses, elevou a tensão na fronteira e motivou duras reações de aliados de Assad, como Irã e Rússia, que apontou violação da Carta da ONU. Nos Estados Unidos, porém, funcionários da área de segurança afirmaram que o alvo teria sido um comboio militar que levava armas para o grupo xiita libanês Hezbollah, adversário de Israel e aliado de Damasco e Teerã.

O vice-chanceler iraniano, Hossein Amir Abdolahian, afirmou à agência Isna que "o ataque do regime sionista contra a periferia de Damasco terá graves consequências para Tel Aviv". O regime de Teerã, aliado ao presidente Bashar Al-Assad, já tinha dito que um ataque israelense contra a Síria seria considerado um ataque à própria República Islâmica. Abdolahian também advertiu o governo israelense para que não se deixe "enganar por seu sistema antimísseis, que mostrou sua ineficácia durante a guerra dos oito dias em Gaza" — referência aos incidentes de novembro passado, quando o Hamas lançou foguetes contra Tel Aviv e Jerusalém.

Dois dias antes do ataque, Israel instalou seu novo sistema antimíssil Iron Dome próximo à fronteira com a Síria. A instalação militar atingida, segundo o governo sírio, fica em Jomrayah (veja mapa), entre Damasco e a fronteira libanesa. Apesar de não ter feito nenhum pronunciamento oficial até ontem, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu já havia alertado para o risco de que "terroristas" tenham acesso a armas químicas e mísseis, como resultado de um colapso do regime de Assad.

A Casa Branca, por sua vez, advertiu a Síria contra a transferência de armas aos xiitas libaneses. "A Síria pode desestabilizar ainda mais a região mediante a transferência de armas ao Hezbollah", afirmou Ben Rhodes, conselheiro de segurança da Presidência. Segundo o jornal The New York Times, Israel informou previamente os EUA sobre os planos.

Nações Unidas

A Síria chegou a se queixar do ataque perante as Nações Unidas, mas a força de paz mantida pela ONU na região foi incapaz de confirmar a acusação, de acordo com o porta-voz Eduardo del Buey. O funcionário disse que o secretário-geral da organização, Ban Ki-moon , recebeu a notícia do ataque com "grave preocupação" e pediu a todas as partes para "respeitar estritamente o direito internacional" e "evitar uma escalada de violência".

O embaixador do Paquistão na ONU e atual presidente do Conselho de Segurança, Masood Khan, afirmou que a organização está "monitorando" as tensões e que "as coisas estão se desenvolvendo muito rápido". Ele não deu detalhes da carta enviada à ONU pela Síria, mas informou que ela não continha o pedido de uma reunião especial do conselho para tratar do incidente. De acordo com a agência de notícias France-Presse, Damasco teria advertido que se julga no direito "de se defender e de defender seu território e sua soberania" e responsabilizado "Israel e os países que o protegem no Conselho de Segurança" pelas eventuais consequências da "agressão".

A Rússia manifestou preocupação em um comunicado e salientou que, caso o ataque seja confirmado, "isso significa que aconteceu um bombardeio sem nenhuma justificativa no território de um Estado soberano, o que viola grosseiramente a Carta da ONU e é inaceitável, independentemente do motivo".

O secretário-geral da Liga Árabe, Nabil Al-Arabi, também condenou o ataque e denunciou "uma violação flagrante do território de um Estado árabe e de sua soberania", que infringiria normas do direito internacional e as resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Al-Arabi convocou a comunidade internacional a "assumir suas responsabilidades e colocar fim às agressões contínuas de Israel contra os países árabes". Além disso, advertiu que o "silêncio da comunidade internacional" diante de ataques anteriores contra a Síria "incentivaram Israel a realizar esta nova agressão".

"Nosso governo pode tomar de suspresa a decisão de responder ao ataque dos aviões israelenses" Ali Abdul-Karim Ali,embaixador da Síria no Líbano

Casa Branca condena Irã O governo americano classificou como "uma nova escalada" a decisão, anunciada pelo Irã, de instalar novos equipamentos em sua usina nuclear de Natanz para incrementar as atividades de enriquecimento de urânio. A medida foi comunicada por Teerã em carta enviada à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA, órgão da ONU), datada do último dia 23. "A instalação de centrífugas avançadas é uma contínua violação das resoluções do Conselho de Segurança da ONU e da AIEA", disse o porta-voz da Casa Branca, Jay Carney. A usina de Natanz enriquece urânio a 5%, muito abaixo do teor de 90% requerido para uso militar, mas as resoluções mencionadas por Carney determinam que o regime islâmico suspenda toda a atividade de enriquecimento.

Três perguntas para Marcos Vinícius de Freitas, coordenador do curso de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado

A Síria tem condições de revidar o ataque israelense? A Síria passa por uma indefinição política que enfraquece sua chance de reação. No entanto, essa situação pode de alguma maneira fortalecer o presidente Bashar Al-Assad. Uma vez que se cria um inimigo externo, esse passa a ser o foco da população. O episódio também pode incitar outros povos da região a rejeitarem uma troca de poder em Damasco, para evitar uma expansão de Israel. Isso pode destruir todo o trabalho da oposição síria.

Podemos esperar que o Irã aja contra Israel? O Irã só assumiria essa posição caso tivesse apoio coletivo dos países árabes, o que eu acho difícil, uma vez que existem sérias desconfianças contra Teerã e seus objetivos de poder regional. O que se teme na vizinhança é a proliferação de armas nucleares, no caso de o Irã evidenciar um fortalecimento bélico.

Israel teria apoio em um conflito? O momento que Israel escolheu para agir não é o mais propício. Há trocas importantes no governo americano e os novos secretários (John Kerry substituirá Hillary Clinton no Departamento de Estado e Chuck Hagel está em processo de confirmação para a Defesa) não têm o mesmo apego a Israel. Os EUA serão favoráveis à causa israelense, mas não serão grandes entusiastas.