Título: Hora de definição
Autor: Colares, Juliana; Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Correio Braziliense, 04/02/2013, Política, p. 2

Deputados disputam voto a voto a eleição para a presidência da Câmara. O favorito, Henrique Eduardo Alves, do PMDB, tem aval do Palácio do Planalto, mas dissidências na base governista e parlamentares da oposição ameaçam levar a escolha para o segundo turno

O PMDB tenta hoje, em uma atípica manhã movimentada de segunda-feira no Congresso, completar o dueto que comandará o Legislativo pelos próximos dois anos. Apoiado pela presidente Dilma Rousseff, o candidato do partido, Henrique Eduardo Alves (RN), disputa a presidência da Casa com a companheira de bancada Rose de Freitas (ES), o candidato do PSB, Júlio Delgado (MG), e o do PSol, Chico Alencar (RJ). O aval do Planalto, ainda que a contragosto — a exemplo do que ocorreu com Renan Calheiros (PMDB-AL) na eleição do Senado — representa a garantia de Dilma que a aliança com o PMDB em 2014 está mantida. Interessado em fissuras nessa parceria, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, estimulou a permanência de Delgado como candidato.

A possibilidade de surpresas na votação — são cada vez mais concretas as chances de segundo turno, provavelmente entre Henrique e Delgado — já preocupava Dilma no ano passado. Em encontros separados com peemedebistas e socialistas, ela lembrou o “fantasma Severino Cavalcanti”, quando o rei do baixo clero surpreendeu ao vencer o então candidato do governo, Luiz Eduardo Greenhalgh (PT), em 2005.

O PMDB — que elegeu com facilidade Renan Calheiros presidente do Senado na última sexta-feira — tenta afastar a possibilidade sustos na contagem de votos. Confiante nas alianças e na costura política que começou bem antes do início oficial da campanha, Eduardo Alves se deu até ao luxo de desfrutar dias de folga em janeiro junto à família em Natal, enquanto os principais oponentes corriam contra o tempo na tentativa de angariar votos. Ainda assim, no mês passado o peemedebista viajou mais de 14 mil quilômetros. Esteve reunido com as bancadas de 10 estados, incluindo Pernambuco, terra do governador Eduardo Campos, cacique político de Júlio Delgado (PSB-MG), um dos principais adversários de Henrique Eduardo Alves na disputa.

Romaria por votos Nas viagens, Alves pegou emprestado o jatinho do deputado Newton Cardoso (PMDB-MG). O valor gasto com combustível não foi divulgado pelo gabinete do candidato, que entregou a conta ao partido. Para não deixar escapar por entre os dedos o cargo que está no segundo degrau na linha sucessória à presidência da República, o investimento do parlamentar também incluiu R$ 700 em torpedos e R$ 2 mil em panfletos. Sem contar os R$ 6,6 mil usados para pagar a impressão de 512 dos 2 mil exemplares do livro O que não quero esquecer, de autoria do deputado. A coletânea de discursos saiu do forno em dezembro e foi distribuída a cada um dos parlamentares da Casa, mas a assessoria de Eduardo Alves nega que o presentinho seja brinde de campanha.

Um dos principais adversários de Eduardo Alves, Julio Delgado deu passos parecidos aos do opositor peemedebista durante a campanha. O socialista viajou cerca de 18 mil quilômetros e passou por 10 estados. Mais da metade deles também estavam no plano de voo de Eduardo Alves — Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte, Recife, João Pessoa e Fortaleza. O socialista desembolsou pouco mais de R$ 9 mil com passagens aéreas e outros R$ 1.440 com a impressão de 2 mil panfletos. “Parlamentares de alguns partidos não declararam oficialmente que vão votar em mim para não se exporem em relação aos seus blocos”, disse: “Estou convicto de que haverá segundo turno. Estamos caminhando a passos largos para isso. E no segundo turno, a história vai ser outra”, afirmou Delgado ao Correio na última sexta-feira, dia em que ele, Rose de Freitas e Henrique Eduardo Alves registraram as candidaturas oficialmente.

Mesmo rechaçando as comparações, Delgado quer repetir a história de 2005. “Não sou Severino (Cavalcanti). Se tem alguém que responde a denúncias, esse não sou eu”, disse, referindo-se às informações divulgadas pela imprensa, no mês passado, de que Eduardo Alves teria direcionado emendas parlamentares para favorecer a empresa de um ex-assessor. Quem também diz não ter dúvidas do segundo turno é Rose de Freitas. Mesmo sem apoio oficial do partido, a deputada se lançou candidata com apoio inicial de 81 deputados, segundo as contas da assessoria da parlamentar. Com uma campanha bem mais barata, com passagem apenas por São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, Rose não desacelerou nos últimos dias e tenta conseguir mais votos até o último minuto. “Fim da campanha? Eu acho que estou no meio dela”, brincou em entrevista concedida três dias antes da eleição.

O deputado Chico Alencar (Psol-RJ) entrou na disputa poucos dias antes da votação. Sem acreditar na própria vitória, o parlamentar, que diz que se candidatou para enriquecer o debate, engrossa a lista dos anti-Eduardo Alves e rouba uns pontinhos do favorito, ajudando a levar a decisão ao segundo turno. Nesse caso, já indica quem possivelmente iria apoiar: o candidato do PSB, Julio Delgado.

A eleição tem início com quorum mínimo de 257 deputados, maioria absoluta dos 513 parlamentares. Para ganhar ainda no primeiro turno, Henrique Eduardo Alves precisa de 50% de todos os votos (incluindo brancos e nulos) mais um. Senão, a decisão vai a segundo turno ainda hoje, logo após a primeira contagem. Os deputados votarão em 18 urnas eletrônicas. O resultado será computado eletronicamente e mostrado no telão. A escolha é secreta, o que permite que os parlamentares não tenham suas escolhas expostas ante a opinião pública, mas também abre brecha para “traições”.

Perfis

Henrique Eduardo Alves (PMDB) O mais antigo na Câmara Aos 64 anos, está no 11º mandato consecutivo, sendo o deputado federal mais antigo na Casa. É formado em direito e foi eleito pela primeira vez em 1971. Interrompeu a atuação parlamentar apenas para assumir o cargo de secretário de Governo e Projetos Especiais do Rio Grande do Norte, no início dos anos 2000. Em 2002, seria o vice de José Serra na disputa pela presidência da República, mas teve que abrir mão da vaga após a ex-mulher denunciar a existência de US$ 15 milhões em contas secretas na Suíça, nas Ilhas Jersey, em Nassau e em Miami. Durante a atual campanha, vieram à tona denúncias de direcionamento de emendas parlamentares para favorecer empresa em que um ex-assessor é sócio. É favorito ao cargo de presidente da Câmara, com aval do Planalto.

Chico Alencar (PSol-RJ) Um azarão resignado Formado em história, Alencar foi líder de uma associação de moradores do Rio de Janeiro no início dos anos de 1980. É professor e foi coordenador de Apoio ao Educando da Secretaria de Educação da capital fluminense. Pelo PT, foi vereador entre 1989 e 1996. Foi eleito deputado estadual em 1998. Ainda no PT, conseguiu se eleger deputado federal em 2002. Na eleição seguinte, concorreu pelo PSol e venceu novamente. Está no terceiro mandato consecutivo. Concorreu à prefeitura do Rio duas vezes, em 1996 pelo PT e em 2008 pelo PSol, mas não conseguiu se eleger. Entrou na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados cinco dias antes da eleição, sem acreditar ter qualquer chance de ganhar.

Júlio Delgado (PSB-MG) Com o aval da cúpula Formado em direito, começou a se envolver com política ainda na faculdade. Foi eleito três vezes prefeito de Juiz de Fora e está no quarto mandato consecutivo como deputado federal. Em 2005, foi relator, no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, do processo de cassação do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o que lhe rendeu ódios no PT. Ainda em meados dos anos 2000, migrou para o PSB logo depois, junto com Ciro Gomes (CE), um dos caciques da legenda. Mais recentemente, se aproximou do governador do Pernambuco e presidente do partido, Eduardo Campos, que o incentivou a continuar na disputa pelo cargo de presidente da Câmara para o biênio de 2013 e 2014.

Rose de Freitas (PMDB-ES) Vice está de olho na vaga Jornalista, radialista, professora, produtora rural, projetista e agrimensora (profissional que analisa o perfil topográfico do ambiente), foi deputada estadual nos anos de 1983 a 1987 e deputada federal constituinte entre 1987 e 1991. Está no sexto mandato de deputada federal e exerceu nos dois últimos anos o cargo de primeira vice-presidente da Câmara. Em 1988, participou da fundação do PSDB, tornando-se vice-líder do partido na Câmara. De volta ao PMDB, foi vice-líder da legenda em 2004 e 2005. Recentemente, esteve envolvida na polêmica dos vetos ao projeto que trata da partilha dos royalties do petróleo. Autorizou a votação do requerimento de urgência para análise dos vetos, o que acabou lhe rendendo a antipatia de parlamentares fluminenses e capixabas.