O globo, n. 31755, 16/07/2020. País, p. 6
Bolsonaro age contra crise entre Gilmar e militares
Natália Portinari
Vinicius Sassine
16/07/2020
Depois de críticas sobre a atuação do governo na pandemia de Covid-19, ministro do STF conversa com titular da Saúde e diz que tom foi 'cordial'. Em meio às pressões para a troca, presidente elogia Pazuello: 'E um predestinado'
Em crise com os militares do governo, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes conversou ontem por telefone com o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello. A ligação foi “cordial”, segundo resumiu Gilmar ao GLOBO.
De acordo com interlocutores do ministro da Corte, o presidente Jair Bolsonaro recomendou que Pazuello falasse com Gilmar, no intuito de acalmar os ânimos em meio a uma turbulência que começou no fim da semana passada. Durante a conversa, não houve um pedido de desculpas de nenhuma das duas partes, mas o tom foi amigável.
No sábado, o ministro do STF disse que o Exército se associou a um “genocídio”, em alusão à condução do governo Bolsonaro frente à epidemia da Covid-19. O Ministério da Defesa divulgou uma nota de repúdio em seguida e enviou representação contra Gilmar à Procuradoria-Geral da República (PGR).
Apesar da representação, a instrução no governo é de botar panos quentes sobre o episódio. O episódio com Gilmar reforçou a opinião da ala militar do Planalto de que Pazuello deve ser substituído para que não haja associação entre a gestão na Saúde e o Exército.
Em meio à fervura, Bolsonaro fez ontem uma série de elogios a Pazuello em rede social. Disse que ele é “um predestinado”, que “nos momentos difíceis sempre está no lugar certo para melhor servir a sua Pátria”. Para ele, o Exército “se orgulha desse nobre soldado”. Completou que o interino levou “apenas 15 militares” para a pasta, que conta com 5,5 mil servidores.
Em entrevista ao UOL, o vice-presidente Hamilton Mourão também defendeu militares no governo. Disse que “a sociedade tem que parar de discutir os assuntos de forma preconceituosa”. “O militar é um cidadão como outro qualquer, apenas usa farda. Nós já tivemos na Saúde pessoas que não eram médicas”, disse.
PAZUELLO VOLTA ATRÁS
A presença de militares no governo motivou uma representação ontem do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União. O órgão pede que seja apurada a participação de militares da ativa em funções públicas civis e que seja determinada a transferência deles para a reserva. No documento, o Ministério Público junto ao TCU cita as críticas de Gilmar.
No centro de polêmicas, Pazuello recuou de uma decisão polêmica ontem. Ele revogou ato que extinguia o serviço do Sistema Único de Saúde (SUS) que acompanha presos com transtornos mentais, boa parte deles detida ilegalmente em presídios e hospitais de custódia. O ministro levou em conta, como consta na portaria publicada ontem, a “pertinência da manutenção de ações para populações vulneráveis” e uma recomendação do Conselho Nacional dos Direitos Humanos. A decisão anterior havia sido alvo de críticas de especialistas e de órgãos, como o Conselho Nacional de Justiça.