Título: O último voo da fênix
Autor: Valente, Gabriela Freire
Fonte: Correio Braziliense, 04/02/2013, Mundo, p. 12

Avião que transportava o candidato à presidência Lino Oviedo caiu a 500km da capital. Partido suspeita que o general da era Stroessner, renascido diversas vezes no cenário político, tenha sido assassinado pela máfia do narcotráfico e do contrabando

A morte de Lino César Oviedo, general reformado e candidato à presidência do Paraguai, em plena campanha eleitoral, levantou suspeitas de um atentado político no país. Oviedo, 69 anos, morreu em um acidente de helicóptero quando voltava de um comício na cidade de Concepção, a 500km da capital Assunção. O governo paraguaio pretende contratar peritos estrangeiros para investigar o caso. “Vamos chamar especialistas internacionais. A ideia é esclarecer como tudo aconteceu”, afirmou Carlos Fugarazzo, diretor da Autoridade Aeronáutica Civil.

As causas do acidente — que aconteceu no 24º aniversário da queda do ditador Alfredo Stroessner, episódio em que Oviedo foi uma das figuras principais — ainda são desconhecidas. Fugarazzo acredita que “todas as hipóteses são válidas”. Uma delas é a de que as condições climáticas não eram propícias para que a aeronave, um Robinson 44 vermelho, levantasse voo. No entanto, integrantes do partido fundado pelo político, o União Nacional de Cidadãos Éticos (Unace), acreditam que Oviedo tenha sido assassinado. “Poucas pessoas vão ter coragem de dizer isso, mas essa é uma mensagem da máfia”, disse o porta-voz do partido, César Durand, à rádio Nhanduti. Documentos divulgados pelo Wikileak apontam que o principal oponente de Oviedo, Horacio Cartes, é o maior contrabandista e traficante do Paraguai. O político nega as acusações. “Quem era a pessoa que estava ameaçando a máfia e todos os tipos de bandidos? Justamente ele e, coincidentemente, isso acontece”, especulou. Diego Galeano, irmão do segurança que também morreu no acidente, disse à agência France Presse que “há fortes suspeitas de que o helicóptero tenha sido atingido por tiros”.

Oviedo levantou voo rumo à capital paraguaia na noite de sábado, mas a aeronave foi encontrada ontem, em uma fazenda na região de Presidente Hayes. O corpo do ex-general — assim como o de seu segurança, Derlis Galeano, e o do piloto Ramón Aurelio Picco — foi encontrado carbonizado no local do acidente.

Incertezas A morte do general também deve afetar o cenário político no Paraguai, que tem eleições presidenciais previstas para 21 de abril. Segundo Francisco Doratioto, professor da Universidade de Brasília e especialista em história paraguaia, esperava-se que Oviedo tivesse um bom desempenho na disputa. “Ele teria a segunda ou terceira maior votação, o que lhe daria um peso político junto ao próximo presidente”, explicou. Com a morte do político considerado populista, Doradioto acredita que o candidato Horacio Cartes, do partido Colorado, será beneficiado. “A tendência é que os eleitores dele se voltem para o partido Colocaro (do qual Oviedo fez parte antes de fundar o Unace)”, disse.

Ainda não se sabe se Alberto Soljancic, candidato a vice-presidente pelo Unace, se candidatará no lugar do ex-general. Mesmo se ele continuar no pleito, Doratioto alerta para a perda de força do Unace. “Oviedo era uma personalidade carismática que montou um partido em torno de si. O Unace até pode sobreviver, mas não teria o mesmo número de votos que teria com ele vivo”, afirmou.

O governo paraguaio declarou três dias de luto pela morte do político. Segundo um amigo da família de Oviedo, o corpo do ex-general será velado na sede do Unace. Ontem, personalidades paraguaias prestaram condolências à família Oviedo. O presidente Federico Franco chamou o líder político de “herói militar” ao lembrar de sua luta contra a ditadura de Alfredo Stroessner. O Unace e os concorrentes Partido Colorado e Partido Liberal Radical Autêntico suspenderam suas atividades de campanha em respeito à morte de Oviedo.

Herói, traidor da pátria e reabilitado

Lino Oviedo imprimiu seu nome na história do Paraguai na madrugada de 3 de fevereiro de 1989 — 24 anos antes de sua morte. O então coronel do Exército é apontado como um dos principais responsáveis pela queda de Alfredo Stroessner, que governou o país por mais de três décadas. Conta-se que, sob o comando do general Andrés Rodríguez, Oviedo entrou na casa do ditador com uma granada em cada mão, ordenando que Stroessner abandonasse o Paraguai.

De origem camponesa, Oviedo nasceu em 23 de setembro de 1943 no distrito de Juan de Mena. Depois de participar do golpe que depôs Stroessner, ele ganhou o respeito dos paraguaios, além da admiração entre os mais pobres, aos quais sempre se dirigia em guarani. O interesse pela política ficou claro quando Juan Carlos Wasmosy assumiu a presidência, em 1993, sucedendo Rodríguez. Ainda um militar em atividade, Oviedo intervinha constantemente em assuntos civis e desempenhou um papel crucial nas eleições primárias do Partido Colorado, quando Wasmony derrotou Luis María Argaña e se lançou como candidato à Presidência. Esse fato aumentou consideravalmente o peso da figura de Oviedo na política nacional. Além de ser o homem mais poderoso das Forças Armadas, agora ele também era um personagem central dentro do partido.

Em 1996, contudo, Wasmosy se converteria em ex-aliado político. Naquele ano, Oviedo rompeu com o presidente e tentou aplicar um golpe de Estado. Para evitar a crise, Wasmosy chegou a nomeá-lo ministro da Defesa, decisão que foi rechaçada pela população. Oviedo, o antigo herói da democracia, era agora um inimigo público e um militar reformado, tendo de entregar o cargo de comandante do Exército. Ele chegou a ser preso, mas ficou apenas 55 dias encarcerado, sendo libertado em 7 de agosto. Oviedo se aproximou da corrente União Nacional de Cidadãos Éticos (Unace), dissidência do Partido Colorado e, em 23 de setembro de 1997, lançou-se como candidato à presidência da República.

Direitos suspensos Até março do ano seguinte, quando finalmente foi condenado por insubordinação e crimes contra as Forças Armadas pelo Tribunal Militar, Oviedo entrou e saiu da prisão diversas vezes, por pequenos períodos de tempo, tendo seus direitos políticos suspensos, restituídos e, finalmente, caçados. Inelegível, teve de desistir do sonho de assumir a Presidência, mas seu aliado Raúl Cubas, cujo lema da campanha era “seu voto vale o dobro”, em alusão a Oviedo, venceu as eleições e o reabilitou. A pena de 10 anos foi comutada em três meses e o ex-chefe do Exército teve seus direitos cívicos e políticos de volta.

Em 23 março de 1999, o vice-presidente Luis María Argaña foi assassinado. Oviedo e Cubas foram acusados de envolvimento e fugiram para a Argentina. No ano seguinte, clandestino no fim do governo Carlos Menem, Oviedo foi acusado de tentativa de um novo golpe. Detido em Foz do Iguaçu (PR), ficou preso durante 18 meses em Brasília. O Supremo Tribunal Federal negou-se a extraditá-lo, alegando perseguição política. Oviedo transformou a Unace em partido e, em 2004, voltou ao Paraguai, mesmo sabendo que seria preso.

Passados sete anos, depois de diversas decisões judiciais, Oviedo foi libertado e reabilitado. Nas eleições de 2008, ele chegou a pensar em se aproximar de Fernando Lungo para tirar o poder dos colorados, mas manteve a candidatura pelo Unace e ficou em terceiro lugar. Em entrevistas recentes, Oviedo anunciou que o pleito do próximo 21 de abril seria o último do qual participaria.