O Estado de São Paulo, n.46260, 13/06/2020. Metrópole, p.A18

 

Sob pressão, Bolsonaro revoga MP que mudava escolha de reitores federais

Daniel Weterman

13/06/2020

 

 

Decisão ocorreu após presidente do Senado, Davi Alcolumbre, devolver a medida provisória, o que na prática cancelava os efeitos do texto. Esta foi a quarta vez na história que o Congresso brasileiro tomou tal atitude em relação a uma MP do presidente da República

Poder. Medida provisória permitia que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, escolhesse os reitores livremente durante o período da pandemia

O presidente Jair Bolsonaro revogou ontem a medida provisória que modificava a forma de escolha de reitores de universidades e institutos federais durante a pandemia do novo coronavírus. A decisão foi tomada após o Congresso Nacional ter devolvido, pela manhã, a MP a Bolsonaro, o que, na prática, cancelava os efeitos do texto. Esta foi a quarta vez na história que o parlamento tomou tal atitude em relação a uma medida provisória assinada pelo presidente da República.

Bolsonaro editou na quartafeira passada a MP 979/2020, que permitia ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, escolher durante a pandemia livremente reitores de universidades e institutos federais. A MP eliminava a necessidade do processo de consulta pública ou lista tríplice para embasar a definição dos nomes. Na prática, o presidente poderia intervir diretamente no comando e restringir a autonomia das instituições.

A publicação da MP desencadeou forte reação. A Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) acusou o presidente de querer interferir na autonomia universitária, definida pela Constituição Federal.

No Congresso, deputados e senadores pressionaram o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para devolver o texto desde que foi publicado. Partidos de oposição formalizaram requerimentos solicitando a devolução imediata da medida. Outros parlamentares pediram que a Câmara Federal e o Senado derrotassem a MP no voto na próxima semana, para mandar um recado mais ameno ao governo.

Ontem pela manhã, o presidente do Senado assinou a devolução do texto, publicando o ato em edição extra do Diário do Congresso Nacional, o que, na prática, cancelava os efeitos do texto presidencial. Pressionado, Bolsonaro, então, recuou e revogou a medida provisória.

Desde 1988, só três MPs haviam sido devolvidas pelo Legislativo, nos governos José Sarney, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

A devolução pegou o Planalto de surpresa. A atitude fez o presidente da República ligar ontem para o presidente do Congresso e tentar um acordo. Alcolumbre, porém, insistiu na devolução. O Planalto minimizou a reação. No Twitter, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, disse que Bolsonaro atendeu a uma “sugestão” do presidente do Senado ao revogar a MP.

Ao assinar a devolução, Alcolumbre não citou apenas um erro formal da MP, mas o mérito, mandando um recado político ao governo. O presidente do Congresso apontou dispositivos da Constituição que garantem “gestão democrática do ensino público e autonomia administrativa às universidades”. Pelo Twitter, avisou que não deixaria tramitar propostas que violassem a Carta Magna.

Impacto. A mudança na forma de escolha dos reitores afetaria 25% das universidades, cujos dirigentes têm mandatos que se encerram até o fim do ano.

Entre as 16 instituições que seriam afetadas em 2020, estão a Universidade de Brasília (UnB) e as Federais do Rio Grande do Sul (UFRGS), de São Carlos (UFSCar) e do Paraná (UFPR). Outras duas teriam troca de dirigente em janeiro. Há 68 instituições federais de ensino superior, mas só 63 delas têm processos seletivos. As outras cinco foram criadas recentemente e estão com reitores temporários.

Em nota divulgada ontem, a Andifes parabenizou Alcolumbre pela decisão. “A decisão merece todo aplauso de nossas universidades e da sociedade. Com seu importante gesto, reafirmou-se o valor elevado e incondicional da autonomia da universidade pública, da ciência e, sobretudo, da democracia brasileira.”

GESTÃO

63

instituições federais possuem processo seletivo para escolha de dirigente no País. A medida provisória poderia afetar a escolha de reitores em 16 instituições, onde o mandato do gestor se encerra neste ano. Outras duas têm troca prevista para janeiro do ano que vem.

PARA ENTENDER

AUTONOMIA ESTÁ NA CONSTITUIÇÃO

Ao excluir a comunidade acadêmica do processo de escolha de reitores, a medida provisória configurava, segundo análise de especialistas, violação ao princípio da gestão democrática do ensino público, o que está previsto no artigo 206 da Constituição Federal de 1988. Em complemento, o artigo 207 fala especificamente sobre a autonomia universitária: “universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”. “A autonomia universitária impede a imposição de medidas de intervenção no âmbito interno das instituições de ensino — o que envolve, evidentemente, a escolha de seus dirigentes”, escreveram oito partidos em um pedido apresentado ao Supremo Tribunal Federal contra a medida provisória. Além disso, uma lei de 1968 alterada em 1995 prevê expressamente que a nomeação de dirigentes pelo presidente será precedida necessariamente de consulta à comunidade universitária, com formação de lista tríplice entre os mais votados.