Título: O sistema não está preparado para isso
Autor: Mader, Helena; Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 02/02/2013, Brasil, p. 8

A preocupação é do coordenador da ala de queimados do Hran, onde, no ano passado, foram internadas cerca de 300 vítimas de incêndios. Para o médico, em caso de grandes desastres, o atendimento não consegue suportar a demanda

Enquanto assistia pela televisão ao drama do incêndio na boate Kiss, o médico Mário Fratini se lembrou do atendimento mais difícil que já realizou em sua carreira. Coordenador da Ala de Queimados do Hospital Regional da Asa Norte (Hran), que é referência no Distrito Federal, ele integrava a equipe em 1989, quando 60 feridos de uma explosão chegaram de uma vez à unidade de saúde. Ao ver o drama das vítimas do incêndio de Santa Maria e das equipes que se dividem para tentar salvar esses jovens, Fratini relembrou o caos que se instalou no hospital por causa do acidente. “Essas grandes tragédias têm um impacto muito grande nos centros de atendimento especializado. Mas temos demanda o ano inteiro e recebemos sempre pacientes graves, muito difíceis de tratar”, explica o coordenador da unidade.

No ano passado, a rede pública do Distrito Federal internou cerca de 300 pacientes que foram vítimas de fumaça ou incêndios. A maioria recebeu atendimento no Hospital da Asa Norte. A unidade de queimados tem 16 leitos, além de dois para assistência respiratória. A estrutura tem muita demanda, mas consegue suprir as necessidades. “O problema é quando há grandes catástrofes, como a de Santa Maria. O sistema não está preparado para isso. No Hran, depois da tragédia de 1989, fizemos um protocolo de atendimento, com diretrizes gerais”, explica Fratini. O drama a que ele se refere é um acidente registrado há 23 anos, na região do Setor de Indústrias e Abastecimento. Um caminhão que vinha de Correntina, na Bahia, com cerca de 90 pessoas escondidas na carroceria, colidiu contra um veículo que transportava combustível. Os feridos em estado grave, muitos da mesma família, foram para o Hran, onde ficaram hospitalizados por meses.

Tratamento longo O chefe da unidade de queimados do Hran explica que esses pacientes normalmente chegam em estado grave e demandam tempo e muitos recursos para a recuperação. “A equipe é grande e muito especializada, com médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos. Precisamos de equipamentos e de curativos específicos, que são trocados praticamente todos os dias”, explica Fratini. Ele conta que o tempo médio de internação equivale à porcentagem do corpo atingido pelas chamas. “Um paciente com 70% do corpo queimado, por exemplo, vai ficar cerca de 70 dias internado. É uma permanência muito longa”, afirma o médico. “Muitos precisam de hemoderivados, de albumina, que tem um custo altíssimo. No caso das infecções, que afetam cerca de 60% dos pacientes, os antibióticos são muito caros e de uso prolongado”, acrescenta.

As vítimas de grandes incêndios são somente 10% dos pacientes da ala de queimados do Hran. A maioria dos que recebem atendimento no local são vítimas de negligência ou imperícia. “Temos muitos casos de pessoas que dormem enquanto estão fumando, incêndios causados por velas, especialmente em locais pobres ou invasões. Também são comuns atendimentos a pessoas que se queimaram ao tentar acender uma churrasqueira, além de casos de acidentes domésticos com crianças”, revela o médico.

Referências Único na Região Centro-Oeste que presta atendimento emergencial, internação e acompanhamento ambulatorial a vítimas graves de incêndio, o Hran completou 28 anos de existência. Referência no atendimento a queimados, o hospital recebe desde crianças a idosos. Estatísticas divulgadas pelo GDF mostram que, de junho a setembro, época de festas juninas e de período seco, as internações aumentam 60%.